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Casal de pássaros faz ‘love caliente’ em teto de Prefeitura

Não. Não é fruto de imaginação e quem quiser pode ir lá conferir. Todos sabem que cena quente de amor, no maior vuco-vuco, à luz do dia, não é comum. Mas quem disse que não? Ontem (10), ao meio-dia, com sol a pino, um casal fazia amor, na maior loucura e gritaria, no teto da segunda prefeitura mais rica do Pará, a de Parauapebas.

A bem da verdade, o casal não estava ali para chamar atenção. Nem pelo dinheiro, que, segundo fofocas, não tem dado para investimento em serviços básicos para a população municipal.

Os amantes estavam ali para, provavelmente, constituir família e procriar em ambiente citadino, muito embora a zoada da ganância e dos interesses não sabidos e não revelados a alguns metros, teto abaixo, impeça-os de se expor com mais libertinagem. Os amantes são um casal de carcarás, aves que pertencem à considerável gama das espécies de rapina brasileiras.

No cartório científico, eles assinam o nome como “Caracara plancus”. O primeiro a fazer o registro da espécie foi o naturalista Jonas Miller, em 1777, e a partir de então a ave ganhou notoriedade nas rodas de pesquisas acadêmico-científicas. Um dos principais estudos, diga-se de passagem, é a dissertação de mestrado em Ciências Veterinárias, pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), de Samuel Salgado Tavares, que investigou aspectos biológicos, fisiológicos e patológicos de carcarás capturados na área do Aeroporto Internacional de Fortaleza.

FUTURO PREFEITO DE PEBAS

No vai e vem da rotina, de entra e sai na prefeitura, quase não dá tempo para perceber a beleza do senhor e da senhora carcará. E quem afirma que são ele e ela? Bem, pelo tanto que se esfregam e se amassam ao ar livre, difícil acreditar que não seja um casal de amantes. É um nhem-nhem-nhem doido, e você não sabe direito se eles estão fazendo amor, fazendo drama ou fazendo as pazes após uma DR.

A vocalização das aves, chamada de grunhido, acusa os dois de gemer e delirar enquanto se tocam. O carcará tem órgãos especializados (traqueia, siringe, pulmões e sacos aéreos) poderosos para garantir que a felicidade não carece de segredo, especialmente para quem frequenta a prefeitura e que geralmente anda menos preocupado com amor e mais com oportunidades ou, sobretudo, com uma fatia dos seus muitos milhões.

Muitas vezes confundido com águia e falcão, que lhe são parentes próximos e distintos, o carcará que namora perigosamente no alto do prédio mais cobiçado do interior do Pará é uma das 594 espécies de aves que podem ser encontradas em Parauapebas, precisamente na Floresta Nacional de Carajás (Flonaca), conforme indica o livro “Fauna da Floresta Nacional de Carajás — Estudos sobre Vertebrados Terrestres”. Dessas 594 espécies, pelo menos 172 são endêmicas do bioma Amazônia.

Além do carcará — que já está sendo cotado para ser prefeito de Parauapebas em 2020 – outros 29 diferentes tipos de gavião voam pelos céus da “Capital Nacional do Minério de Ferro”, entre os quais a “Harpia harpyja”, poderoso gavião-real. Os gaviões, cientificamente falando, dividem a ordem dos Accipitriformes com as águias e os abutres do velho mundo. Em Parauapebas, há apenas uma espécie de águia listada (“Pandion haliaetus” ou águia-pescadora) e 13 espécies da ordem dos Falconiformes, ou simplesmente falcões.

TIRARAM O BICHO DE CASA

O pobre casal, sem eira nem beira, agora faz a vigilância externa da prefeitura sem receber um centavo, sequer obrigado. Durante algumas partes do dia, eles somem. Fogem do clima tenso na prefeitura.

O casal alimenta-se tanto de carniça quanto de presas vivas (insetos, anfíbios, répteis e pequenos mamíferos), sendo eles adaptados para caminhar e caçar no solo. Suas pernas são longas e preparadas até para correr por pastagens e matagais. Seu voo é direto, com batidas de asas estáveis, ao contrário do voo crescente dos falcões. Um carcará adulto pode atingir de 50 a 60 centímetros de comprimento e pesar em torno de um quilo. Entre uma ponta e outra de suas asas, pode haver envergadura de um metro e 23 centímetros.

De maneira geral, o casal do amor tem pernas fortes, patas poderosas com garras pontudas, bico em forma de gancho usado para rasgar a presa e visão aguçada, que possibilita enxergar um rato malfazejo ou um político mentiroso e caloteiro a metros de distância.

Em sua triste trajetória para conquistar e sobreviver no espaço e no tempo, seja no Nordeste, seja na Amazônia, pouca coisa muda no reconhecimento de sua exuberância. A diferença crucial talvez sejam a abundância de exemplares por aqui e a forma como a ave é identificada por estas bandas, uma vez que no Nordeste o carcará já estrelou canções, mas aqui caminha para narrativas fabulosas de “Era uma vez” (o dinheiro ou a própria espécie corrida do bicho-homem).

Na Amazônia, a ave é popular nas grafia e pronúncia de caracará e caracaraí, este último nome empresta até a alcunha para um município do Estado de Roraima, onde a espécie marca presença. Também é conhecido como gavião-de-queimada, e esse é o codinome vulgar mais fiel ao retrato dos “pombinhos” que se instalaram sem aviso prévio no teto da Prefeitura de Parauapebas.

As queimadas, vilãs da vida do cidadão parauapebense a cada verão, arrasam o município e enxotam espécies silvestres de seus lares. Assim como as chuvas colocam sucuris e jacarés perto de nós, as queimadas nos põem em contato com lagartos e uma infinidade de aves. Isso não é legal e nem moral, já que, bem como ilustra um dito popular, cada um no seu quadrado — as aves precisam viver livres e desimpedidas em seu ambiente natural, que, a rigor, no caso do carcará da região, seria a savana, como indica o livro que reporta à fauna de Carajás.

Mas a vida é cheia de surpresas, e as queimadas são o lado desagradável da arte de viver, tanto para aves quanto para humanos. Do primeiro dia deste ano até o momento, o município de Parauapebas registrou 220 focos de incêndio, e deve pegar fogo até novembro porque é de agora para frente que o pau quebra e o fogo come, criminosamente.

A MAIOR DAS SACANAGENS

Mas você ainda não viu tudo. A “Capital do Minério” entrou agosto como o terceiro do Pará no ranking de queimadas no mês, e ainda tem uma jornada de 20 dias para, lamentavelmente, subir à primeira colocação, pódio que faz inveja a ninguém.

Tudo isso levou o casal de carcará, ou gavião-de-queimada, a deixar seu lugarzinho e fazer manifestação no teto da prefeitura. É natural sua atitude de sair por aí, sem rumo, à procura de paz, porque não há sacanagem maior — para eles e para todos os demais habitantes de Parauapebas — que morar num município cuja prefeitura já arrecadou R$ 544.640.538,20, de 1º de janeiro ao dia 8 deste mês, é preciso investir no combate às queimadas e na punição aos “Neros”.

8 de agosto, dia em que o município cravou mais de meio de bilhão de reais em receitas arrecadadas, foi exatamente o dia em que despontou no Pará como o terceiro que mais pega fogo, de acordo com dados públicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e divulgados em boletim diário sobre queimadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas).

Preservar a fauna municipal e, em paralelo, combater incêndios em Parauapebas parece ser obrigação apenas da mineradora Vale, para muitos, que tratam, inclusive, de desconectar os fatos e inverter as prioridades administrativas. Mas não é. É, também, e muito mais, obrigação da Prefeitura de Parauapebas. E de todos nós, cidadãos.

Na virada de ontem para hoje, a prefeitura recebeu R$ 2,95 milhões em cota-parte do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e acabou de entrar em sua conta-corrente mais R$ 17,91 milhões em cota-parte da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), cifras que ainda não constam do Portal da Transparência. Esses quase R$ 21 milhões abocanhados hoje são, impressionantemente, muito mais que o orçamento inteiro de aproximadamente 2.000 prefeituras ao longo de todo o ano de 2016. Mas há muito pouco ou quase nada a mostrar em termos de guarda ambiental. De acordo com a Aequus Consultoria, Parauapebas aparece como o 100º que mais gasta com meio ambiente, mas não figura nem entre os 2.000 em ações de sustentabilidade ambiental. Em linhas gerais, as despesas com a área não são traduzidas em investimentos benéficos e cuja sensação seja percebida pela comunidade — e isso parece ser um calo histórico no sapato municipal.

É sabido que o prefeito Darci Lermen, grande admirador do meio rural e suas paisagens, até tem boas intenções e projetos razoáveis no que concerne ao meio ambiente. Mas isso não basta porque boas ideias podem se perder em crises de Alzheimer.

A propósito, de boas intenções, dizem as más línguas, o inferno está cheio. E é para lá — para arder no fogo de enxofre, pior que o das queimadas que expulsaram de maneira criminosa o pagão casal de carcará — que vão aqueles que não zelam minimamente por sua gente que sofre e por seus bichos que nenhum mal faz a alguém.

No calor do frigir dos ovos, o amor das aves fora de seu ninho até enche os olhos de que assiste às belas cenas de entrosamento viril, mas é ecologicamente muito triste. A conta final do descaso para com o meio ambiente hoje certamente será paga ainda nesta e, especialmente, nas gerações vindouras.

Por: André Santos / Jornalista e Engenheiro de Minas

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