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Rio Parauapebas resiste a crimes ambientais e dá vida a mais de 1.000 espécies

 

Tudo isso acontece de verdade, a 60 quilômetros da cidade, rio abaixo. Um pouco antes de receber a poluição de 155 mil habitantes do segundo município mais rico do Pará e primeiro no ranking da inconsciência ambiental, o rio se impõe majestoso – direta e indiretamente – para a vida que pulsa em 944 espécies de vertebrados (anfíbios; répteis; aves; pequenos, médios e grandes mamíferos; e morcegos), sem contar os peixes.

Não obstante a todos os problemas por que tem enfrentado nas últimas décadas, o Rio Parauapebas ainda é um santuário poderoso quando avança a mata cerrada do Bioma Amazônia, longe da cidade que ele próprio viu florescer e hoje abastece. A afirmação é de um grupo de pesquisa do curso de Ciências Biológicas, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que fez um levantamento inédito pelo rio durante todo o ano de 2011, nas proximidades de sua nascente, com vistas a identificar quais as espécies da ictiofauna vivem nesse importante curso d’água.

Os então estudantes de Biologia da UFPA, André Santos de Souza e Divino Carlos Moreira de Souza, hoje biólogos, orientados pela professora Susana Suely Milhomem Paixão, doutora em Citogenética de Peixes, fizeram expedição pelo rio e descobriram recantos pouco conhecidos do Parauapebas, mas também se depararam com áreas totalmente predadas.
Eles conseguiram identificar 57 espécies de peixe, 31 das quais coletadas durante o trabalho de campo e outras 26 indicadas por meio de questionários aplicados a pescadores com idade entre 21 e 65 anos, alguns deles com mais de 30 anos de atividade no rio.

De acordo com Divino Carlos, as espécies estão abrigadas numa grande diversidade de habitats, de modo que os ambientes principais são os pequenos igarapés, a vegetação flutuante, as áreas abertas, os poços profundos, as grotas e os pedrais. Ele observa que, devido à falta de levantamentos com maior frequência no rio em questão, muitas espécies mais devem haver e vão desaparecer sem que tenham sido sequer conhecidas.

Para André Santos, os fragmentos do rio em que foi desenvolvida a pesquisa estão mais ameaçados por ações antrópicas do que se imagina. Ele afirma que o comprometimento da qualidade da água em função do mau uso da terra nas áreas marginais, por conta do desmatamento e da poluição sem pudor ou fiscalização, pode vir a prejudicar a conservação do ecossistema aquático do Rio Parauapebas e reduzir sua diversidade ictiofaunística.

ESPÉCIES COLETADAS
As 31 espécies de peixe coletadas na pesquisa de campo estão agrupadas em 15 famílias, que vão desde a perigosa arraia-de-fogo (Potamotrygon motoro) até peixes que chegam a ter mais de um metro, como o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum), ou pesam mais de 100 quilos, como o surubim-cachara (Pseudoplatystoma fasciatum). Os peixes coletados foram pesados, medidos, identificados e enviados ao Museu Paraense Emílio Goeldi, que fez a confirmação taxonômica das espécies e o tombamento delas em sua coleção ictiológica.

A família de peixes mais numerosa identificada na pesquisa é a dos characídeos, peixes carnívoros parentes da piranha (Serrasalmus eigenmanni). Além desta, os indivíduos que compõem a família são o pacu (Myleus cf. micans), o pacu-manteiga (Mylossoma duriventre), a piaba (Poptella compressa), a piaba-rabo-de-ouro (Poptella brevispina) e a piranha-vermelha (Pygocentrus nattereri).
Primos carnívoros dos characídeos, mas de outras famílias, encontrados no rio são: os piaus-vara (Schizodon vittatus) e cabeça-gorda (Leporinus trifasciatus), o mandi-pintado (Hoplerythrinus unitaeniatus), a traíra (Hoplias malabaricus), a bicuda (Boulengerella maculata), o curimatá (Curimata cyprinoides) e os esdrúxulos cachorra (Hydrolycus scomberoides) e icanga (Cynodon gibbus).

A família dos acaris também é expressiva no Rio Parauapebas, com quatro indivíduos identificados: acari (Pseudacanthicus spp.), acari-bodó (Hypostomus faveolus), acari-da-pedra (Panaque nigrolineatus) e jatoxi (Sturisoma aureum). Outra família com quatro membros a nadar pelo rio é a dos doradídeos, cujos membros são misteriosos, curiosos e têm aspecto de peixes pré-históricos. São eles: bacu (Oxydoras niger), bacu-pedra (Megalodoras uranoscopus), boca-de-flor (Hassar affinis) e cuiú-cuiú (Platydoras costatus).

Na família dos tucunarés, os peixes que comprovadamente habitam o rio são o tucunaré (Cichla spp.), o tucunaré-amarelo (Cichla monoculus) e o acará-bicudo (Chaetobranchus flavescens). Mas há ainda a corvina (Pachyurus schomburgkii), o ituí-terçado (Rhamphichthys rostratus), o mandi (Centromochlus heckelii), o fidalgo (Ageneiosus inermis), a jurupoca (Hemisorubim platyrhynchos) e o iuiú (Pimelodus spp.).

ESPÉCIES INDICADAS
Você sabia que há 30 anos o maior peixe de água doce do mundo era encontrado navegando pelo Rio Parauapebas? Isso mesmo, o pirarucu (Arapaima gigas) vivia feliz no sudeste paraense até que um dia o bicho-homem descobriu seu habitat e acabou com tudo, afugentando a espécie para o Rio Itacaiúnas e, de lá, atualmente, para o Rio Tocantins, onde, em alguns trechos, há condições minimamente ideais para a sobrevivência da espécie. Não quer dizer que o pirarucu não possa mais encontrado no Rio Parauapebas; quer dizer que ele não é mais frequente como outrora. O último exemplar visto no rio por um pescador foi há 15 anos.

Além disso, não são mais encontrados exemplares com três metros de comprimento ou 300 quilos como no passado, já que, para atingir tal porte, o pirarucu precisaria viver muitos anos, e na conjuntura atual – de ataque ao rio – isso seria praticamente impossível.

No Parauapebas, também, há bem pouco tempo era encontrado outro “bitelo”, peixe grande na linguagem dos pescadores. Era a piraíba (Brachyplatystoma filamentosum), o maior peixe de couro de água doce do país, parente do bagre e que chegava a 200 quilos. “O peixe grande sumiu”, lamentam os pescadores, constatando que os peixes têm diminuído o tamanho e o peso “de uns tempos pra cá”.
É cada vez mais difícil fisgar, ainda, o jaú (Paulicea lutkeni) e o surubim-pintado (Pseudoplatystoma corruscans), dois pesos pesados da água doce; a piramboia (Lepidorisen paradoxa), peixe que respira fora d’água; e o pacu-açu (Myleus torquatus), o maior de seu gênero. A piaba-rapadura (Tetragonopterus chalceus), apesar de dar as caras, está cada vez mais rara.

Por outro lado, não é difícil o desavisado levar uma descarga elétrica de até 1.500 volts e ser derrubado pelo poraquê ou peixe-elétrico (Electrophorus electricus), que é abundante no Rio Parauapebas e funciona como uma pilha. Há muitos relatos de pessoas a quem o peixe-elétrico fez “dormir” no Parauapebas.

Assim como ele, encontram-se em razoável estado de conservação papaterra (Cyphocharax spilurus), matrinxã (Brycon amazonicus), tambaqui (Colossoma macropomum), lambari (Hemigrammus marginatus), pacu-caranha (Piaractus mesopotamicus), piranha-branca (Serrasalmus branati), boca-larga (Pellona castelnaeana), sardinha (Triportheus angulatus), mapará (Hypophthalmus marginatus), cascudo (Hypostomus affinis), acari-viola (Farlowella vittata) acari-zebra (Pseudacanthicus sp.), corró-do-rio (Astronotus ocellatus), tucunaré-tinga (Cichla pinima), acará-relógio (Symphysodon aequifasciatus), jacundá (Crenicichla lenticulata), acará-bandeira (Pterophyllum scalare) e acará-folha (Cichlasoma amazonarum).

SALVE O RIO!
Parauapebas ainda rende 300 toneladas de pescado em meio a 3,56 mil toneladas de resíduos

O Rio Parauapebas é o terceiro maior produtor de peixe na região e rende anualmente 300 toneladas de pescado. Mas a diminuição ou o esgotamento de algumas espécies de valor comercial em determinados locais faz com que os pescadores migrem a outros perímetros do rio à busca de peixe mais fácil. Não bastasse o sumiço de algumas espécies bastante visadas, como o pirarucu, a piraíba, o jaú e o surubim-pintado, os pescadores ainda sofrem com a concorrência de fazendeiros, que aplicam inseticida nas propriedades e cujos resíduos acabam parando no Rio Parauapebas e envenenando os peixes.

Paralelo a isso, com a derrubada da mata ciliar para dar lugar à pastagem, as espécies de peixe herbívoras e as que se alimentam de plânctons acabam entrando em extinção, e os peixes carnívoros que se alimentam delas também somem do mapa. É uma problemática em rede, literalmente. Sem falar que, apesar de não haver uma estatística oficial, 3.558 toneladas de resíduos sólidos produzidos na cidade de Parauapebas podem estar tendo o rio como destino final.

De acordo com a professora Susana Milhomem, antes que tudo se perca sem o devido conhecimento do que se tem disponível, é preciso viabilizar alternativas para mapear toda a biodiversidade do Rio Parauapebas e seu entorno. Para isso, a pesquisadora sugere o desenvolvimento de estudos de longa duração que contemplem o conhecimento e a informação acerca da biodiversidade; a formação de especialistas interessados em atuar na região; o estabelecimento de metodologias eficientes; e o mapeamento preciso, utilizando-se do aparato tecnológico eventualmente disponível para tal fim.

O estudo ictiofaunístico da equipe no Rio Parauapebas em apenas seis meses identificou 9% das 558 espécies de peixe existes na Bacia Araguaia-Tocantins, que tem área drenada 109 vezes superior à do Parauapebas. É um dado a comemorar, visto que apenas 5% de toda a extensão do rio foram inventariados. O levantamento de fauna mais recente na área do Mosaico Carajás identificou, em mais de uma dezena de cursos d’água, 120 espécies – um trabalho realizado por um grupo de 12 pessoas exclusivas para isso e que pesquisaram por mais de um ano.

Pelo rigor e eficiência do levantamento de ictiofauna no rio, os estudantes foram premiados pela UFPA com a comenda de melhor Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na área de Ecologia e Zoologia porque, além do estudo ecológico desenvolvido, ainda resgataram a história do mais importante curso d’água do município.

Reportagem: André Santos

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