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SAARA AMAZÔNICO: Água na Nova Marabá é mais difícil que cabelo na Serra Pelada

Não é preciso ser guru para ter clareza da situação que envolve o líquido mais precioso do mundo no núcleo Nova Marabá: o abastecimento é precário. Mas o que era senso comum agora se tornou uma pesquisa científica intitulada “Análise das Estruturas Rúpteis e Suas Relações com a Hidrogeologia do Núcleo Nova Marabá”, assinada por um ex-aluno do curso de Geologia, da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Estão no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Ewerton Neto Pimentel todas as explicações para entender por que motivo em determinado poço doméstico da Nova Marabá há água e em noutro não há, bem como as razões técnicas e científicas para compreender a distribuição irregular da vazão do líquido.

Orientado pelo professor Raimundo Nonato do Espírito Santo dos Santos, doutor em Hidrogeologia pela Universidade de São Paulo (USP) e docente da Faculdade de Geologia (Fageo) em Marabá, o estudo é uma espécie de bússola para o poder público municipal e até mesmo para a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), no que diz respeito à gestão do recurso hídrico na área urbana.

VIZINHO INACESSÍVEL
Abastecida diretamente com a água do Rio Tocantins, a sede urbana de Marabá, com seus cinco núcleos populacionais (Nova Marabá, Cidade Nova, Velha Marabá, Morada Nova e São Felix), se vê entre a cruz e a espada quando o assunto é água na torneira. Parece paradoxo o fato de a cidade estar atravessada por dois grandes rios, o próprio Tocantins e o Itacaiúnas, e ainda assim sua população literalmente passar sede.
Mas há uma explicação geológica para o despautério de conviver com o vizinho mais inacessível de Marabá, sobretudo na Nova. De um lado da ponte sobre o Rio Itacaiúnas, no complexo Cidade Nova, a água possui boa vazão por conta de estar abrigada num grupo de rochas denominado Formação Itapecuru, o mesmo grupo sobre o qual estão assentados os núcleos Morada Nova e São Félix.
Do outro lado do Itacaiúnas, a Nova e a Velha Marabá se ergueram sobre a Formação Couto Magalhães, cujo aquífero é detentor de pequenas reservas, baixa produtividade de água e, portanto, baixa vazão para uma população que não para de crescer. Trocando em miúdos, uma ponte separa estruturas geológicas diferentes e que, bem assim, possibilitam vazões de água diferenciadas. Logo, é mais fácil encontrar água cavando-se um poço na Cidade Nova do que se deparar com o líquido na Nova Marabá.

‘BOOM’ POPULACIONAL
Paralela às diferenças geológicas entre os núcleos urbanos em Marabá existe uma situação ainda mais comprometedora para o futuro da água na cidade: o crescimento demográfico. A população da sede municipal teve um enxerto de 65 mil pessoas nos últimos 13 anos, crescendo de 134.373 habitantes para 200.012. É como se a cidade de Redenção inteira tivesse caído em Marabá. Para atender a essa demanda, haja ampliação de sistema, perfuração de poços e, principalmente, água.
Na Nova Marabá, foco de estudo do TCC de Ewerton Pimentel, a dilema é o mesmo. O núcleo é o segundo mais populoso da cidade, atrás apenas do complexo Cidade Nova. A população da Nova Marabá saltou de 51.801 residentes em 2000 para 75.589 moradores em 2013. É como se uma Itupiranga inteira tivesse se somando ao núcleo, que, em extensão territorial, ocupa praticamente a mesma área da cidade de Parauapebas. Basta ver o tamanho do terreno de cada imóvel e o distanciamento entre eles.
O agravante na Nova Marabá é que, segundo o professor Nonato, a quantidade de água disponível para consumo é baixa e está localizada em pontos específicos. “É por isso que falta água constantemente, e as pessoas têm de recorrer aos Serviços de Atendimento Coletivos, os SACs”, informa. Os SACs, a propósito, são pontos de abastecimento criados pela prefeitura e instalados em alguns prédios públicos para minimizar os transtornos decorrentes da falta d’água.

RAIOS-X DA ESCASSEZ
Em cinco zonas da Nova Marabá – englobando as invasões Nossa Senhora do Socorro (Coca-Cola) e Araguaia (Fanta), bem como áreas próximas à Vila Militar, ao Shopping Pátio e Cosanpa – foram realizadas 151 medidas para investigar a vazão da água em 20 poços.
Pimentel constatou que existe variação expressiva no fluxo d’água e que os poços localizados perto de áreas drenadas, como a Grota da Folha 28, são potencialmente os “melhores para água”, com vazão de cerca de 10 metros cúbicos por hora. Por outro lado, nas invasões da Coca e da Fanta, a vazão não ultrapassa 3 metros cúbicos por hora e, para piorar, um poço de 25 metros de profundidade rende água minguada – e isso quando rende.

Uma alternativa apontada pelo autor do TCC seria a captação domiciliar de água subterrânea. Contudo, ele observa que grande parte dos poços não apresenta estudos de viabilidade física, são feitos sem cuidado técnico e desordenadamente.
Para o professor Nonato, esses resultados dizem respeito à vida de um importante núcleo urbano onde somente 12 mil residências são atendidas pelo sistema público de abastecimento. “Há que ficar claro para a população o fato de que é possível encontrar água cavando um poço na Nova Marabá, porém esse líquido pode não se mostrar sustentável para as necessidades diárias. O estudo aponta justamente quais os locais favoráveis à abertura de poços e é o primeiro passo para trabalhos de maior abrangência”, engrandece.

Sem qualquer financiamento, o Trabalho de Conclusão de Curso é inédito em mapear as áreas de vazão na sede de Marabá. Nonato chama atenção para a necessidade de o poder público e empresas como a Consanpa serem parceiras da universidade para tocar projetos e pesquisas de importância social em benefício da comunidade. “Estamos falando de água, sem a qual não se pode viver. Estamos discutindo o futuro da sociedade marabaense, e precisamos de parceiros para contribuir na resolução dos problemas locais”, encerra.

ESTATÍSTICAS
Marabaense dá fim em 136,5 litros de água por dia

Nem de longe o marabaense é o campeão de consumo de água no Pará, mas a quantidade do líquido precioso que vai embora quando ele bebe, cozinha, lava e se lava é de assustar. São, diariamente, 136,5 litros por habitante, o que implica dizer que uma família média, composta de quatro pessoas, detona o equivalente a uma megapiscina de 120 mil litros em sete meses.
O dado consta da pesquisa intitulada “Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgoto”, divulgada em 2012 pelo Ministério das Cidades e conforme a qual a cidade mais gastadeira é Dom Eliseu, onde a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) se vê aperreada para dar conta de distribuir 175,8 litros a cada habitante todo santo dia. A média paraense de consumo é de 114,4 litros de água por cidadão a cada 24 horas.

Atualmente, Marabá possui 37,62% de seus domicílios atendidos com a água da Cosanpa, que pratica na cidade um dos preços mais elevados entre os municípios onde atua. Um ano antes de a pesquisa ser divulgada, a Cosanpa informou que seus serviços alcançavam 53% da população, ou seja, cerca de 100 mil habitantes em 23 mil unidades residenciais.

O custo do metro cúbico da água fornecida pela estatal sai a R$ 1,91, como se o Rio Tocantins, de onde ela extrai o líquido precioso, fosse um imenso Saara. Em Bragança, por outro lado, o custo do metro cúbico sai a 68 centavos. O recorde da carestia está em Ourém: R$ 2,12. Enquanto isso, a despesa com consumo de energia para gerar cada metro cúbico de água fica em torno de 19 centavos – na Nova Marabá é ainda mais barato: 14 centavos. Por outro lado, de acordo com a Cosanpa, o índice de inadimplência em Marabá chega a 55%, garantindo à estatal uma arrecadação de apenas R$ 400 mil.
A extensão média da rede domiciliar de distribuição da água é de 7,2 metros, uma das mais curtas no Estado e dez vezes menor que a de Marituba, município da Região Metropolitana de Belém. Entre a saída do líquido da estação de captação e sua chegada às casas, ao menos 584,34 litros se perdem por dia, média muito acima dos 488,42 litros diários no resto dos municípios onde a companhia opera os serviços de água e esgoto.

Reportagem: André Santos

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Ei, Psiu! Já viu essas?

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