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31 de julho de 2021: há exatamente 54 anos a Mina de Carajás era descoberta no Pará

"Foto que ficou famosa, tirada pelo Tolbert na clareira N3, durante a sua primeira visita ao ferro de Carajás - 17 de setembro de 1967"

E na série “Entrevistas com Pioneiros”, uma entrevista EXCLUSIVA com o geólogo Breno Augusto dos Santos, que descobriu a mina

“A emoção de fato foi muito grande, mas não cheguei a chorar. Não havia clima para isso, dada a situação em que nos encontrávamos. Emoção semelhante senti em julho de 2015, quando homenageado pela Vale, voltei à clareira de Serra Arqueada com a minha esposa Yolanda, acompanhado pelo então diretor do Ferro Carajás, Paulo Horta”. A declaração é do geólogo Breno Augusto dos Santos ao relatar, em entrevista exclusiva, os detalhes da descoberta da Mina de Carajás em 31 de julho de 1967, no sudeste do Pará.

Primeira foto do ferro de Carajás na clareira da Serra Arqueada, no pouso histórico. O piloto Aguiar está abastecendo o helicóptero – 31 de julho de 1967

 

Nesta entrevista histórica, que fará parte da série que será transformada em um livro, Breno conta tudo em detalhes, desde o dia em que nasceu, a formação em geologia, o casamento, os filhos, os netos e fala sobre a profissão de geólogo, entre outros temas.

A história

Breno Augusto dos Santos nasceu em Olímpia, no extremo norte do Estado de São Paulo, no dia 1º de julho de 1940, filho de Florindo Augusto dos Santos e de Yvonne Frioli dos Santos, e neto de imigrantes portugueses e italianos. Antes de completar o primeiro ano de vida, mudou-se com a família para a capital do estado, onde residiu nos bairros de Belém, Moóca, Cambuci e, de 1949 a 1963, no Ipiranga.

A mãe dele, dona Yvonne, natural de São Paulo, havia mudado para Olímpia, onde moravam parentes de sua avó, acompanhando o avô dele, que havia comprado uma usina de beneficiar algodão. Lá conheceu o Seu Florindo, que era gerente da serraria do avô paterno do Breno. “Também havia um moinho de fubá. De tanto comprar fubá, acabaram se apaixonando. Casaram em 1937, e meu avô paterno mandou construir uma casa, em frente à sua, para o casal morar. Foi lá que nasci”, relatou, emocionado, o nosso homenageado.

“Casa em que nasci, em Olimpia, SP – Meus pais”

 

Em 1941, por pressão da mãe dele, que não concordava com a forma patriarcal de como seu pai era tratado pelos meus avós, a família se mudou para São Paulo. “Passamos a residir com os avós maternos, que tiveram grande influência na minha formação cultural. Meu pai passou a atuar como caixa do Banco Nacional da Cidade de São Paulo, que era de propriedade de um cunhado de meu avô, judeu italiano muito rico. Lá meu pai trabalhou até ficar cego, com glaucoma, em julho de 1955. Como tinha também o diploma de guarda-livros (na época equivalente a contador), também havia trabalhado como responsável por registros fiscais de pequenas empresas”, contou Breno.

“Com meus pais, logo que mudei para São Paulo, na casa do bairro de Belém”

 

Breno Augusto fez os estudos primários na escola marista Externato Nossa Senhora da Glória e, o antigo ginásio e científico, em colégios públicos estaduais: Alexandre de Gusmão e Presidente Roosevelt.

Família

Ele foi casado com Yolanda Oliveira dos Santos, desde 2 de maio de 1964, com quem teve 4 filhos: “Sandra (1965) (que me deu as netas Camila e Marina), Tânia (1968) (neta Letícia), Márcia (1971) (neta Kime) e Paulo (1971) (neta Laura). Também tenho uma filha fora do casamento: Paula (1989). Infelizmente, Yolanda nos deixou em 16 dezembro de 2019, causando grande sofrimento e tristeza. Foram 55 anos de casados e 64 de amizade, com muito companheirismo, aventuras e lembranças”, disse ele.

Breno, a esposa Yolanda, filhos e netos e outros familiares

 

Infância

“Minhas férias em fazendas de parentes despertaram o interesse pela terra e pela agricultura. Entretanto, as condições financeiras da família, agravadas pela cegueira do pai em 1955, impediram que seguisse a carreira de Engenheiro Agrônomo, estudando em Piracicaba”.

Jovem trabalhador

“Dadas as necessidades financeiras, e como era comum, entre os jovens de classe média nos anos 50, comecei a trabalhar aos 15 anos, como balconista de uma agência revendedora de peças Ford. E passei a estudar a noite, durante o curso científico”.

Geologia

“Minha vocação telúrica foi atraída pelo Curso de Geologia da Universidade de São Paulo, que possibilitou a substituição dos estudos do solo pelos do subsolo. Fui aprovado no vestibular de 1960 e concluiu o curso em 1963.

Nos dois últimos anos do curso de Geologia, trabalhei como professor de curso preparatório ao vestibular e de ginásio, com aulas noturnas.

Após a realização de estágio de campo, no último ano do curso, em poços estratigráficos da Petrobrás, em Mato Grosso do Sul, constatei o meu pequeno interesse pela geologia de petróleo, e passei a orientar os meus estudos para as áreas de prospecção mineral e de mineração”.

“Com a esposa Yolanda, e os filhos Tania, Paulo, Marcia e Sandra, na clareira N1 de Carajás, em convite da diretoria da CVRD – janeiro de 1982”

 

ICOMI

“No início de 1964, após ter sido frustrado o meu sonho de conseguir emprego na antiga Comissão Nacional de Energia Nuclear, que desenvolvia um importante programa de prospecção de urânio, obtive a oportunidade de emprego na ICOMI, que efetuava a lavra de manganês em Serra do Navio, Amapá, onde iniciei a minha vida profissional e familiar”.

Gerente de Mineração

“Por necessidades internas da empresa, com seis meses de formado, e apenas 24 anos, fui transferido para o cargo Gerente do Departamento de Mineração, responsável pela produção e controle de qualidade do minério de manganês. Pela primeira vez, um geólogo exercia a função normalmente pertencente a um engenheiro de minas. Hoje, em Carajás, isso tem acontecido com relativa frequência.

Nesse período, tive a oportunidade de trabalhar sob o comando do engenheiro de minas, espanhol, Manoel Rico Campos, cujo comportamento ético e profissional passou a ser um importante guia para resto de minha carreira de geólogo. No início de 1967, por divergências éticas sobre a administração da empresa, fui demitido”.

Após conhecer um pouco da história de vida do geólogo Breno Augusto dos Santos, que completou 81 anos dia 1º de julho, confira agora a entrevista exclusiva e detalhada que ele concedeu ao “Projeto Entrevistas com Pioneiros”.

Quando e como foi sua contratação pela Meridional e o que representou para o senhor o convite de Gene Tolbert, coordenador do BEP, para o senhor chefiar a equipe de campo em Carajás?

No início de 1967, desempregado em São Paulo, tentei conseguir uma nova ocupação que não exigisse a utilização de voos, sequer para os deslocamentos durante as férias, dado o meu medo de voar, na época. Hoje, tenho cerca de 5 mil horas de voo, sendo quase 500 de helicóptero.

Mas a ausência de oportunidades que atendessem essa premissa, fez com que, no início de maio de 1967, enviasse meu currículo ao meu antigo professor de Geologia Econômica, Gene E. Tolbert, que estava iniciando um ambicioso e inovador programa de prospecção de manganês na Amazônia. Logo em seguida, recebi um telegrama da “Western”, solicitando minha presença no escritório da empresa, no Rio de Janeiro.

O “Brazilian Exploration Program”, a ser executado pela United States Steel, através de sua controlada brasileira, Companhia Meridional de Mineração, previa, pela primeira vez, o uso sistemático do helicóptero, para apoio dos trabalhos de prospecção mineral na Amazônia.

Aceitei a proposta, e fui contratado como gerente dos trabalhos de campo.  Tive que superar para sempre o meu receio de voar, pois no dia seguinte da contração, no final de maio, seguimos para Belém, com Tolbert e equipe, para participar, durante cinco dias, de voos de reconhecimento na região do sul do Pará, entre os rios Araguaia -Tocantins e Tapajós.

O reabastecimento do helicóptero na clareira dia 31 de julho de 1967 foi fundamental para sua descoberta sobre o imenso depósito de minério na área? Foi sorte ou as mãos de Deus?

Foi sorte, mas também intuição e curiosidade geológica.

A escolha pelo Tolbert, de trabalhar no sudeste do Pará foi devida ao fato da CODIM, subsidiária da Union Carbide, que fabricava pilhas (o manganês, além dos usos metalúrgicos e químicos, também tem propriedades eletrolíticas), estar pesquisando manganês na serra do Sereno, desde 1966. O minério havia sido descoberto acidentalmente por um “gateiro” (caçador de gato maracajá e onça pintada). Na época, essa atividade era comum na região, para o comércio internacional de peles.

A instalação da base operacional em Marabá foi logo descartada pela presença da equipe da CODIM. Optou-se por Altamira, mas os geólogos da CODIM, suspeitando que a Meridional tivesse alguma informação de ocorrências de manganês nas proximidades, se antecipou na instalação de sua base na cidade. A equipe da CODIM passou a trabalhar na região do rio Bacajá, deixando toda área mais ao sul livre para a equipe da Meridional, onde ocorreram as descobertas.

Depois de frustrado o objetivo de instalar uma base operacional em Altamira, nos fixamos em um seringal da Ilha de São Francisco do Xingu, onde havia pequena pista de pouso.

Ainda estávamos aguardando a chegada dos dois primitivos helicópteros Bell, da empresa Helitec, quando chegaram no acampamento as fotos do Projeto Araguaia. Esse projeto, executado pelo Departamento Nacional da Produção Mineral, sob contrato com a Prospec, havia realizado um amplo levantamento fotográfico do sudeste do Pará e do norte de Tocantins, mas com trabalhos de campo, na região coberta por floresta, restritos às calhas dos maiores rios. Como consequência, dada a ausência do apoio do helicóptero, esse projeto deixou de descobrir os fabulosos depósitos de ferro de Carajás. A existência de lagoas junto às jazidas levou à conclusão, pela interpretação fotográfica, de tratar-se de área com calcário.

A observação dessas fotos causou um grande impacto na equipe. Em primeiro lugar, estávamos localizados muito longe das grandes estruturas geológicas, situadas bem mais a leste, que poderiam ter possibilidade para depósitos de manganês. A autonomia do helicóptero não atingia essas áreas a partir do nosso acampamento.

Em segundo lugar, as fotos denunciavam a existência de grandes clareiras no meio da floresta. Qual seria a causa da ausência da floresta? Hoje, a região, com exceção das reservas indígenas e florestais, está quase toda desmatada, mas naquela época, áreas sem floresta causavam um grande impacto. Essas enormes clareiras despertaram a nossa curiosidade geológica.

Assim, passamos a ter a necessidade de encontrar uma base mais para leste. Logo pensamos na aldeia dos índios Xicrins, no rio Cateté, que possuía uma pista de pouso, e que havia sido identificada em uma das linhas do voo de reconhecimento de maio. Com essa decisão, absurda para os dias de hoje, seguimos em um monomotor para a aldeia, para obter autorização para instalação do acampamento. Apesar de não termos tido objeção, recebemos a informação de uma nova pista recentemente aberta rio abaixo, nas margens do rio Itacaiúnas. Seguimos logo para a sede do castanhal onde estava a pista, na confluência do igarapé Cinzento com o Itacaiúnas. Sem que soubéssemos, realizamos o pouso inaugural da pequena pista, com pouco mais de 200 metros de extensão.

A pista do Castanhal do Cinzento, que acabara de ser aberta pelo seu proprietário, transformara-se em excepcional ponte para penetrar na região, pois estava no centro de toda a área de interesse. Conseguida, com alguma dificuldade, a autorização de seu proprietário, Demóstenes de Azevedo Filho, já falecido, tornava-se urgente a mudança da base de apoio, para que o programa de exploração pudesse ser iniciado. Tudo teria que ser levado para lá: a equipe, suprimentos, equipamentos e, também, os helicópteros.

Foi feita uma “ponte-aérea’ com o pequeno monomotor Cessna 170, do piloto Adão Coelho de Barros, já falecido, morador de Altamira, cujo conhecimento da região foi fundamental para apoio dos trabalhos de geologia. Como o Cessninha era muito pequeno, em cada viagem iam apenas 3 passageiros ou 250 quilos de carga. Além disso, cada duas viagens, havia necessidade de se fazer uma triangulação com Altamira, para transporte de combustível para a base de São Francisco.

Mas restavam os helicópteros. O piloto José Aguiar, também já falecido, com toda a sua experiência, foi logo informando que não seria possível o voo direto entre São Francisco e o Castanhal do Cinzento, pois estava no limite da autonomia do helicóptero, ao redor de duas horas. O voo seria todo sobre a floresta e, se houvesse uma queda, seria impossível que o helicóptero fosse encontrado.

Para mim, tudo era assustador. Além de voar pela primeira vez de helicóptero, teria que coordenar a sua operação, Antes da partida de Tolbert, havia desabafado com ele sobre como poderia coordenar uma operação de helicóptero sem nunca sequer ter voado no mesmo. Tolbert simplesmente respondeu: o que você vai fazer aqui nunca ninguém fez, e a empresa está pagando para você aprender.

A lembrança do mapa da sala do Tolbert, no escritório da Anfilófio de Carvalho, onde a Meridional tinha sua sede no Rio de Janeiro, fez com que eu arriscasse um palpite. Na parede havia um grande painel com antigos mapas da USAF, na escala de 1:1.000.000, com destaque para a região Tocantins-Xingu. Três meses antes, por ocasião da entrevista de admissão, ao ser informado sobre onde seria o projeto, bem como da utilização do helicóptero, fiquei assustado com o vazio da região e a falta de apoio para os voos, onde os rios apareciam como único guia para a orientação. Também chamou atenção o fato de que dois pequenos afluentes, de rios secundários das duas bacias – o igarapé Carapanã, no Fresco, e o rio Cateté, no alto Itacaiúnas —, quase tocassem as suas cabeceiras, indicando o único caminho natural entre as duas bacias.

Essa intuição também tinha um interesse geológico, pois na serra que separava as duas bacias, havia uma pequena clareira, observada nas fotos aéreas, talvez semelhante às maiores, com possibilidade de o mistério começar a ser desvendado.

Assim, acabou sendo aceita, pelo piloto Aguiar, a rota: São Francisco – rio Xingu – São Félix do Xingu – rio Fresco ­ igarapé Carapanã – serra com clareira – rio Cateté – Aldeia Xicrins,  no rio Cateté – rio Itacaiúnas – Castanhal do Cinzento. Toda a equipe saberia por onde voaríamos, o que poderia facilitar as buscas se o pior acontecesse. Como o voo era bem mais longo e demorado, com cerca de 4 horas, levamos combustível no bagageiro do helicóptero. Seriam feitos pousos, sempre que possível, nos pedrais dos rios. Teríamos sempre a autonomia de uma hora para a frente, com retorno garantido ao último pouso.

A clareira da serra também foi selecionada para pouso de reabastecimento. Poderíamos, então, começar a desvendar os seus mistérios.

Mas em tudo na vida sempre é bom ter a sorte como companheira.

E o uso do helicóptero foi fundamental?

Sim. Sem ele não poderia ter sido atingida a clareira da Serra Arqueada, e nem as demais clareiras das serras Norte, Sul, Leste e São Félix, que permitiram a avaliação preliminar das fabulosas reservas de ferro de Carajás.

Em 1922, o geólogo Avelino Ignácio de Oliveira subiu o rio Xingu, entrando pelo rio Fresco, e passou relativamente próximo das clareiras com minério de São Félix. Se já existisse o helicóptero, e estivesse disponível, poderia ter descoberto o ferro de Carajás.

Em 1933, o engenheiro Luiz Flores de Moraes Rego navegou até o alto rio Itacaiúnas, e descreveu no seu relatório ter avistado “morros de topo plano onde se encontram campos gerais”. Certamente, ele avistou do rio, parte da clareira da Serra Sul, distante menos de 10 quilômetros. Da mesma forma, com o helicóptero isso poderia ter sido comprovado.

E as mesmas considerações valem para a equipe de geólogos do Projeto Araguaia, no início da década de 60, cujo trabalho ficou restrito às calhas dos maiores rios.

Costumo dizer que aqueles helicópteros rudimentares dos primeiros trabalhos, os famosos Bell G, com a sua bolha sem porta, e seus arrojados pilotos, foram fundamentais para a descoberta de Carajás. Foram os “heróis” da história.

Devemos lembrar que o helicóptero na época era uma máquina voadora relativamente nova, ainda com muitas imperfeições, desenvolvido poucos anos antes. Nas guerras, foi utilizado pela primeira na da Coréia, menos de duas décadas antes. Ficou famoso na guerra do Vietnã, com o modelo Bell UH-1, versão militar do Bell 205.

Na Meridional, logo abandonamos o uso dos rudimentares Bell G, e usamos durante algum tempo os limitados Hughes 300, operados pela Votec, e de trágica lembrança, com a morte de um geólogo e de um piloto. Também sofri um acidente com esse equipamento, com a pane do motor e pouso de emergência no rio Maicuru, nas proximidades de Monte Alegre.

A Meridional chegou a comprar dois helicópteros Bell 206 (Jet Ranger), equipados com turbina, que passaram a ser operados pela Votec. Mas a sua limitação de potência tornava crítica a operação em pequenas clareiras abertas na floresta.

Esses três tipos de equipamento eram inadequados para operação sobre a floresta, e tivemos relativa sorte com o baixo índice de acidentes.

Apenas nos tempos da DOCEGEO, a partir de 1973, foram adquiridos helicópteros mais seguros, os famosos MBB-BO-105C, equipados com duas turbinas. Esses helicópteros passaram a ser operados por equipe própria da DOCEGEO, e foram fundamentais para os programas de exploração e pesquisa geológica da empresa, notadamente relacionados com a descoberta de depósitos de cobre em Carajás. A pesquisa inicial do cobre do Salobo, no final da década de 70 e início dos anos 80, inclusive com o transporte de sondas, foi toda feita com o apoio desses helicópteros, pois ainda não havia acesso terrestre.

O BO- 105C PT-HFA chegou a receber um diploma do antigo DAC, por ser o primeiro helicóptero no Brasil a completar 10 mil horas de voo sem acidentes.

Uma pergunta que o senhor responde sempre: sem helicóptero, como era feito o trabalho dos geólogos na Amazônia?

Até essa época, tinha havido poucos trabalhos de geologia na Amazônia.

No passado, os trabalhos dos geólogos pioneiros ficaram restritos ao reconhecimento dos grandes rios.

A maioria das descobertas havia ocorrido acidentalmente, como o caso do manganês do Amapá e do Sereno, ou realizada a partir de trabalhos de prospecção em áreas passíveis de acesso pelos rios, ou eventualmente estradas, como ocorreu com os depósitos.de bauxita e caulim.

A atividade garimpeira também havia sido responsável pela descoberta de depósitos de ouro no Tapajós, Amapá e Gurupi, bem como de cassiterita, em Rondônia. Em algumas regiões havia garimpagem de diamantes, como em Roraima, e no Tocantins, nas proximidades de Marabá.

A Petrobras havia realizado a prospecção de petróleo nas margens dos grandes rios, transportando as sondas e equipes por balsas.

Quem estava com o senhor naquele dia histórico?  Como era o nome do piloto?

O piloto José M. de Aguiar estava comigo no histórico dia.

Aguiar era mais velho que a média da equipe, ao redor dos trinta anos, pois já havia passado dos cinquenta.

Como eu ainda era muito jovem, com 27 anos, ele amigavelmente me chamava de “chefinho”.

Deve ter sido um dos pilotos pioneiros de helicóptero no Brasil, pois antes de trabalhar na Helitec, e depois na Votec, havia sido piloto do governo de São Paulo, nos tempos do Carvalho Pinto.

Foi responsável pelo apoio de muitos trabalhos pioneiros de Carajás.

Em dezembro de 1969, quando voávamos na região do rio Maicuru, tivemos uma pane no motor do Hughes 300. Graças à sai experiência e habilidade, conseguimos descer em alta rotação, e fazer um pouso de emergência no rio.

Alguns dias depois, comentei que para mim havia sido uma trágica experiência. Ele respondeu que em toda a sua vivência, pela primeira vez havia achado que iria morrer. E completou: não vou mais voar na Amazônia.

A Meridional, depois desse segundo acidente, suspendeu totalmente o uso do helicóptero. Só nos tempos da DOCEGEO, em 1973, voltamos a ter esse equipamento para apoio dos trabalhos.

Tempos depois recebemos uma triste notícia. Aguiar voltara a voar na região de São Paulo. Durante um trabalho de apoio da Policia Rodoviária Federal, na rodovia Régis Bittencourt, ao decolar de um posto policial, bateu o rotor em um fio, provocando a queda, com sua morte.

Alguns dos pilotos pioneiros também faleceram em acidentes.

No Pará, o helicóptero foi usado pela primeira vez naquele tipo de trabalho?

Quase na mesma época, a Petrobras também passou a utilizar helicópteros para o transporte de suas equipes, assim como já fazia, no Nordeste, para acesso ás primeiras plataformas submarinas de prospecção de petróleo.

No ano anterior ao início dos trabalhos da Meridional, em 1966, o helicóptero havia sido utilizado no mapeamento das ocorrências de cassiterita, em Rondônia. Participaram desse trabalho o engenheiro de minas Francisco Sayão Lobato e o geólogo João E. Ritter, ambos falecidos. O primeiro passou a atuar na Meridional como consultor, e o segundo fez para de equipe pioneira.

Entretanto, o uso sistemático do helicóptero em trabalhos de geologia, destinado a descoberta de jazidas, nunca havia sido feito na Amazônia. O programa da Meridional foi pioneiro.

Hoje, o drone substitui o helicóptero nessa missão?

O drone é ótimo para fotos áreas e está sendo testado para o transporte de pequenas mercadorias.

Pode ser útil no acompanhamento de atividades de mineração, com a evolução das frentes de lavra. Na mina de cobre-ouro do Salobo tem usado o VANT, que é um pequeno avião, sob controle remoto, para levantamentos aéreos.

Mas para o transporte de equipes e materiais, em áreas de difícil acesso, o helicóptero é insubstituível.

Hoje, a região de Carajás está muito diferente dos anos 60 e 70 do século passado. Com o desmatamento e a abertura de estradas, a maioria dos trabalhos de geologia pode ser feita sem o apoio do helicóptero.

Foi um desafio histórico para o senhor participar daquela missão? O senhor chegou a chorar de emoção?

O dia todo foi repleto de emoções.

Já acordei temeroso e com a ansiedade de voar de helicóptero pela primeira vez. E ainda mais coordenando a operação, improvisada, em uma rota desconhecida. Muitas dúvidas nos pensamentos. Encontraríamos locais para abastecimento?… O velho helicóptero aguentaria o inusitado traslado?…

Mas logo na decolagem de São Francisco, o medo e as dúvidas se dissiparam. Foram substituídas pelo prazer de estar voando e começar a grande aventura.

O velho helicóptero Bell G (PT-CAX) possuía como cabina apenas uma bolha plástica, sem portas e, como cauda, uma estrutura metálica tubular, para suporte do pequeno rotor, que compensava o torque do rotor principal e garantia a direção do voo.

Apesar do maior risco, Aguiar gostava de voar baixo, entre 100 e 200 metros, proporcionando uma experiência fantástica. Até São Félix do Xingu foi um passeio inesquecível. Observávamos a copa das árvores, os pedrais e praias do rio e, por vezes, bandos de araras que voavam abaixo de nós. A ausência das portas permitia que curtíssemos a natureza amazônica na sua plenitude, inclusive sentindo os seus cheiros.

O saudoso piloto Adão nos esperava em São Félix do Xingu, com o seu pequeno avião, para o primeiro reabastecimento. Com o “Até os Xicrins!…” nos despedimos, ante os olhares espantados de alguns moradores.

O rio Fresco era repleto de pedrais, permitindo que Aguiar, após uns 15 minutos, escolhesse um bem favorável para o pouso – teríamos mais 15 minutos de autonomia. Aproveitei para coletar a minha primeira amostra no projeto, de uma rocha vulcânica comum na região.

Quando deixamos o rio Fresco e começamos a seguir o igarapé Carapanã, a ansiedade aumentou. Entramos de fato no rumo do desconhecido. Como o igarapé é muito estreito, muitas vezes as árvores escondiam o seu traçado, dificultando a operação.

Depois de algum tempo, Aguiar identificou um pequeno pedral, e sob os meus protestos, com um malabarismo aéreo e toda a sua habilidade, conseguiu pousar o pequeno helicóptero, com o rotor principal cortando as folhas de uma pequena embaúba. Segundo abastecimento e segunda amostra coletada, de outra rocha vulcânica. Agora teríamos autonomia para chegar pelo menos à tão sonhada clareira da serra, que era o divisor de águas das duas bacias.

Com toda a sua perícia, Aguiar novamente nos colocou no ar e, aos poucos, o Carapanã tornou-se por demais estreito, desaparecendo sob a vegetação. A serra que correspondia ao divisor de águas já era bem visível no horizonte, e por ela nos orientávamos. Mas não tínhamos a menor suspeita sobre o que nos estava esperando. Mas havia muita ansiedade e curiosidade. Os riscos também aumentaram, pois agora teríamos que voar sobre a floresta, sem a proteção do rio para um pouso de emergência.

Logo nos aproximamos da sua extremidade oeste e passamos a sobrevoar o seu flanco norte, onde se localizava a clareira. De repente, lá estava ela, bastante íngreme nas proximidades do topo da serra, mas aplainada mais abaixo, o suficiente para permitir o pouso do helicóptero.

Quando nos preparávamos para descer, Aguiar chamou a atenção para a cobertura vegetal, pois havia uma espécie parecida com uma pequena palmeira, um arbusto pouco maior que um metro, que poderia dificultar o pouso. Anos depois, ficamos sabendo que essa espécie recebe a denominação de “canela–de-ema”, muito comum no cerrado da região Centro-Oeste. Tomávamos o primeiro contato com a vegetação de cerrado que recobre as clareiras.

Depois de escolher o melhor local, enquanto pousava o helicóptero, Aguiar pediu-me que olhasse para trás e controlasse a cauda, avisando-o se houvesse risco de choque do pequeno rotor com a vegetação. Mas o meu olhar foi atraído para a cobertura negra da clareira. A emoção, de que tudo fosse uma crosta de minério de manganês, fez com que me distraísse na inspeção de segurança. O Aguiar soltou um sonoro palavrão quando houve o choque do rotor.

Nova pequena decolagem e novo pouso em segurança, sem a minha “eficiente” ajuda. Imediatamente saí do helicóptero, tendo o cuidado necessário com os dois rotores, bastante baixos nesse tipo de equipamento. Apesar do risco de incêndio, o reabastecimento era sempre feito com o motor ligado. Os magnetos utilizados na partida costumavam falhar, e havia o risco maior de ficarmos isolados na floresta, sem a possibilidade de socorro imediato.

A esperança de que poderia ser uma crosta de minério de manganês continuava grande. Enquanto Aguiar começava o reabastecimento, meu martelo quebrava os primeiros blocos. O pó marrom-avermelhado indicava que a crosta da clareira correspondia à canga de minério de ferro. Imediatamente, com muita emoção, surgiu a hipótese de que as outras enormes clareiras fossem devidas ao mesmo fato.

Mas havia conflitos entre o entusiasmo e a dúvida. A hipótese era por demais assustadora pela sua grandiosidade. Poderia ser uma simples “pegadinha” da natureza.

Sempre que dou alguma entrevista ou faço alguma palestra sobre Carajás, é comum a pergunta: o que de mais importante ganhei com Carajás?… Mesmo reconhecendo que o estigma de Carajás acabou contribuindo para a minha carreira profissional, não tenho dúvidas em afirmar que foi a chance de ter vivido aquele momento, quando pude sonhar, antes que qualquer outro mortal, com a possibilidade de que a natureza nos tivesse sido tão generosa.

Tirei as primeiras fotos do minério de ferro de Carajás, ficando, como documento histórico da descoberta, o flagrante do helicóptero pousado na clareira, enquanto Aguiar ainda cuidava do seu reabastecimento. Não pensei em tirar foto com a minha presença, pois sempre tive mais vocação para fotógrafo que de modelo. Só no reconhecimento da clareira, hoje conhecida como N3, saí na primeira foto nas clareiras. No reconhecimento da N5, enquanto tirava fotos da lagoa que não mais existe, Aguiar insistiu, de forma premonitória, que saísse em uma foto para mostrar para os netos.

Coletei novas amostras, as primeiras da canga de minério de ferro de Carajás. Era muita sorte para a United States Steel. O programa praticamente ainda nem começara… (as amostras da Meridional, quando do encerramento de suas atividades, devem ter sido doadas ao Curso de Geologia da Universidade Federal do Pará).

A emoção de fato foi muito grande, mas não cheguei a chorar. Não havia clima para isso, dada a situação em que nos encontrávamos. Emoção semelhante senti em julho de 2015, quando homenageado pela Vale, voltei à clareira de Serra Arqueada com a minha esposa Yolanda, acompanhado pelo então diretor do Ferro Carajás, Paulo Horta.

Aguiar acabara de reabastecer o helicóptero e, ao aproximar-me, falei com entusiasmo: “É tudo ferro!…” Aguiar não estava preocupado se havia muito ou pouco ferro, mas se chegaríamos, ou não, com segurança à aldeia dos Xicrins.

Explicou-me que o choque poderia ter afetado com gravidade o sistema de direção do helicóptero – eixo e rotor de cauda —, mas que preferia não desligar o motor para a devida verificação. Se o dano fosse grave, ficaria sem condições psicológicas para prosseguir o voo. Mesmo que não houvesse nada, os magnetos eram sempre uma ameaça. Não havia possibilidade de socorro de outro helicóptero em prazo razoável, não tínhamos nem água, nem alimentos, e desconhecíamos os perigos que poderiam nos cercar.

Em algumas entrevista e palestras, às vezes perguntam se foram tempos de “Indiana Jones”. Sempre respondo, que dada a nossa inexperiência e improvisação, vivíamos mais tempos de “Brancaleone”. Mas estávamos começando a aprender a coordenar uma operação de prospecção geológica com o uso do helicóptero.

Seus argumentos pareceram bastante razoáveis, e concordei com o prosseguimento do voo. Teríamos que voar mais que uma hora nesse clima de ansiedade. O trecho mais crítico seria sobre a serra, pouco mais que 10 minutos, onde não teríamos locais para um pouso de emergência.

Com alegria e alívio atingimos o Cateté. Agora o helicóptero serpenteava sobre os meandros do rio, pois queríamos ter sempre um espaço livre para qualquer emergência. Aguiar sugeriu que cantássemos para espantar o medo. Pouco lembramos de músicas e passamos a cantar a plenos pulmões: “Vamos passear na floresta enquanto o seu lobo não vem…” Quem diria!…

Felizmente, e mais rápido do que pensávamos, chegamos à aldeia, após o total de três horas e quarenta minutos de voo. Com alegria fomos recebidos pelo Adão, pelo mecânico do helicóptero e pelos poucos índios que estavam na aldeia – era época de caça.

O motor pôde ser desligado, e a verificação feita pelo Aguiar e pelo mecânico, que constatou que, aparentemente, não havia nenhum dano sério. Apenas um pequeno sinal da batida no rotor de cauda.

Reabastecido o helicóptero, tapeamos a fome com alguns biscoitos, pois já passava do meio-dia, e prosseguimos para o Castanhal do Cinzento. A aldeia não ficava muito longe da desembocadura do Cateté, e estava ansioso para conhecer a geologia que encontraríamos nos pedrais do Itacaiúnas.

Mas mal atingimos o Cateté, o motor começou a ratear, o helicóptero balançou, e perguntei ao Aguiar: “Vamos voltar?…” Tive a resposta imediata: “Já estamos voltando!…” Felizmente o motor ainda teve potência suficiente para atingirmos a aldeia. Recebi o meu batismo com o pouso de emergência, o primeiro de uma série bem maior do que poderia suspeitar.

Prosseguimos a viagem com o avião do Adão. Os geólogos Ritter e Erasto haviam se deslocado para o acampamento do Cinzento, dias antes, no pequeno avião do Adão. Logo que cheguei ao Cinzento, chamei-os para que vissem as amostras coletadas.

Ao comentar que as outras clareiras poderiam ser iguais, houve o comentário irônico de um deles, de que elas estariam esperando só a nossa chegada. De fato, isso parecia praticamente impossível, pois teríamos os maiores depósitos de minério de ferro do mundo. Mais impossível seria que depósitos tão grandiosos, aflorantes, ainda não tivessem sido descobertos, quando o homem já se preparava para pousar na Lua.

Apesar do absurdo, nosso raciocínio quanto à impossibilidade estava errado. De fato, eram as maiores reservas de minério de ferro de alto teor encontradas na Terra!…

Tudo pôde ser comprovado com o sobrevoo rasante das clareiras, no início de agosto, e com a visita dos três geólogos no final do mês.

De fato, o dia 31 de julho de 1967 foi repleto de emoções, e tornou-se inesquecível.

Na sua opinião, houve falhas em que no Projeto Carajás? O senhor já disse que o crescimento desordenado de Parauapebas foi um exemplo disso. Poderia ter sido feito de que forma?

Tem-se que considerar duas vertentes. Os projetos de mineração e a ocupação do entorno.

As empresas que implantaram minas na região, notadamente a Vale, tem cumprindo bem a sua missão, de acordo com os seus objetivos de produção e de lucro. Além disso, têm demonstrado responsabilidade ambiental e fiscal, em relação aos munícipios onde atuam.

Deve ser lembrado que as únicas áreas preservadas da floresta, em Carajás, são devidas a ações da própria Vale, quando da implantação do Projeto Ferro, no início da década de 80. Essas ações foram motivadas por imposição do Banco Mundial, quando da aprovação de seu financiamento para o projeto. Assim, foram criadas a Terra Indígena Xicrin Cateté, a Floresta Nacional de Carajás (FLONACA), Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri (FLONATA) e Reserva Biológica do Tapirapé (REBIO).

As principais minas da Vale em Carajás, ferro de N4E, N4W e N5, ferro de S11D, cobre-ouro do Salobo, manganês do Azul, bem como a extinta mina de ouro do Igarapé Bahia e as futuras minas de ferro, de N3 e N1,  e de cobre-ouro do Alemão,  estão inseridas em áreas de proteção, onde há um controle ambiental rigoroso do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Em relação ao Complexo S11D Eliezer Batista, situado no município de Canaã do Carajás, a sua implantação trouxe inovações tecnológicas com sensível redução do impacto ambiental. Houve considerável diminuição no uso de caminhões, com a maior parte da lavra sendo feita com escavadeiras e britadores móveis na mina, ambos elétricos, possibilitando o transporte do minério e do estéril por correias. Isso reduziu de maneira significativa o consumo de combustíveis e a sua consequente poluição. No beneficiamento do minério foi adotado o peneiramento a seco, o que, além da eliminação da barragem de rejeito, permitiu o aproveitamento dos finos do minério e sensível redução no consumo de água.

Apenas as minas de ferro de Serra Leste, de cobre do Sossego e de níquel do complexo Onça-Puma estão fora de áreas de preservação, mas estão sendo desenvolvidas com os mesmos cuidados ambientais.

Outra mina que merece ser relatada é a de manganês em Buritirama, no setor norte de Carajás, que pertence ao município de Marabá. Os seus depósitos de manganês, durante muito tempo, foram relegados a segundo plano. A atual administração da Mineração Buritirama fez grandes investimentos em pesquisa geológica e na tecnologia do tratamento do minério, com sensível ampliação de suas reservas e de sua produção. Isso também teve consequências na área ambiental, pois foi eliminada a barragem de rejeito, e os finos da lavagem do minério estão sendo aproveitados na planta de sinterização, recentemente concluída. Hoje, Buritirama deve estar produzindo entre 2 e 2,5 milhões de toneladas de minério por ano, total jamais alcançado por qualquer mina de manganês do Brasil, inclusive as famosas de Serra do Navio e do Azul. Além disso, talvez as suas reservas totais superem as iniciais de Serra do Navio e do Azul, transformando-se também na maior jazida de manganês do Brasil.

Além da responsabilidade ambiental e de inovações tecnológicas, a mineração tem proporcionado a criação de empregos de qualidade, sensíveis contribuições tributárias, e a implantação de uma infraestrutura, ferrovia e rodovias, com benefícios socioeconômicos para toda região.

Como advertência, deve ficar bem claro para não confundir garimpo ou lavra clandestina, de minério de cobre e de manganês, comuns na região, com a mineração. Essas atividades não tem trazido nenhum benefício tributário e social para os municípios afetados, além do impacto ambiental irresponsável e sem controle.

Mas quanto à outra vertente, infelizmente a ocupação do entorno foi realizada com muita irresponsabilidade, equívocos e danos ambientais.

Deve-se lembrar que houve uma grande pressão populacional na região, a partir da década de oitenta, não só pelo atrativo dos grandes projetos, principalmente o Ferro Carajás e Tucuruí, como, em boa parte, pela expulsão de famílias de pequenos proprietários da parte ocidental do Nordeste, pela entrada do agronegócio, particularmente destinado à produção de soja.

Esse contingente migratório, na maioria das vezes sem opção de subsistência, passou a ter como opção o garimpo ou a posse da terra, muitas vezes apenas como jagunços de grileiros.

Mas, apesar da atração dos grandes projetos, o vetor que possibilitou a ocupação da região, e a destruição indiscriminada, da cobertura florestal, foi a abertura de estradas.

O garimpo, no início dessa migração na década de oitenta, notadamente Serra Pelada, com o apoio do governo federal e de políticos locais, atuou como uma válvula de escape para atenuar a luta pela posse da terra. Com isso, essa luta na região foi adiada pelo menos por uma década.

Assim, foi deixado caminho livre para a grilagem de terras na região, muitas vezes realizada com apoio político, desde os anos da ditadura. Muitos grandes proprietários se capitalizaram pelo saque de terras públicas.

Não houve um planejamento governamental para a ocupação da região, a partir de um correto e necessário zoneamento ambiental. O extinto “Programa Grande Carajás”, criado por ocasião da implantação do Projeto Ferro, teoricamente prestava-se a isso. Mas na prática nada fez, a não ser criar incentivos para a instalação de usinas de gusa na zona de influência da ferrovia, algumas com deploráveis histórias. Ou seja, na prática esse programa foi mais para “inglês ver” e servir de propaganda para o governo.

Deve ser registrado que, hoje, a região, além de considerável potencial mineral, disponibilidade de água e zonas com excelentes solos, possui ótima infraestrutura – excepcional ferrovia, boa rede rodoviária, e duas das maiores hidrelétricas do país e dois ótimos portos, na sua área de influência.  Esses fatores que seriam bem vantajosos em qualquer país, com competência política, econômica e tecnológica, para a implantação de projetos que estimulassem o desenvolvimento da região, infelizmente têm sido desprezados pela nossa sociedade.

A falta de um planejamento integrado pelos órgãos governamentais, tendo por base o zoneamento ambiental, impediu que a região fosse ocupada com maior racionalidade, maior equilíbrio social, e sem a destruição indiscriminada da floresta.

A região possui áreas com solos mais férteis que deveriam ser destinadas preferencialmente à agricultura, bem como de solos tão pobres que não deveriam ser utilizadas nem para a pecuária.

A ganância da ocupação provocou a destruição da floresta em áreas de encosta com aclives elevados, favorecendo deslizamentos e destruição da camada de solos. Em muitos lugares também não foram respeitadas as matas ciliares, o que tem contribuindo para a seca e as enchentes de alguns rios. O regime fluvial passou a ser torrencial, com cheias que já estão afetando alguns núcleos urbanos.

Embora a região conte hoje com um grande rebanho bovino, em grande parte e com raras exceções, a pecuária é desenvolvida com práticas rudimentares, quase medievais.

Apesar da grande área desmatada para o desenvolvimento da pecuária, consideravelmente maior em relação à abertura das minas, as suas contribuições sociais e tributárias são muito menores. Os municípios, afetados pela mineração e pela pecuária, recebem tributos quase que exclusivamente da atividade mineira. Além disso, pela criação de maiores e melhores empregos, a mineração também tem dado maior contribuição para o desenvolvimento do comércio e de outras atividades locais.

Há necessidade de recuperação da floresta nas áreas críticas, particularmente na borda de rios e igarapés, para que sejam reduzidos os problemas das populações que vivem na sua zona de  influência.

Infelizmente, a sociedade brasileira, por sua incompetência política, empresarial, tecnológica e inovadora, deixou de desenvolver uma vasta e rica região da Amazônia, com harmonia econômica, social e ambiental.

Após mais de três décadas de atividades produtivas, a região continua exportadora apenas de commodities minerais e da pecuária. Essa exportação é importante para o desenvolvimento do País e obtenção de divisas, mas é muito pouco para o desenvolvimento harmônico da região, face às suas riquezas. Está-se perdendo o trem da história.

Como o senhor vê hoje Carajás e a cidade de Parauapebas? O senhor calcula mais quantos anos de exploração mineral no município? Qual o futuro de Parauapebas?

Parauapebas foi planejada para ser apenas uma cidade com pouco mais de 10 mil habitantes. Seria apenas uma comunidade pulmão para aqueles que não pudessem ser absorvidos nas minas de Carajás, ou que prestassem serviços às suas atividades.

Deve-se lembrar que a produção inicialmente prevista, para o ferro de Carajás, era de apenas 20 milhões de toneladas por ano. Mesmo as previsões de crescimento não eram tão grandes. Falava-se que as reservas de minério de ferro de Carajás dariam para 400 anos. O mercado interoceânico de minério de ferro era da ordem de 400 milhões de toneladas por ano. Hoje, só o da China é muito maior que isso, e só a Vale está produzindo quase isso, em Carajás e Minas Gerais.

A produção de Carajás era destinada inicialmente ao mercado europeu, notadamente Alemanha, e asiático, com destaque para Japão e Coréia do Sul. Não se falava ainda na China, e não se contava com a explosão de seu crescimento a partir do final do século.

A entrada da China como consumidora do minério de Carajás alterou profundamente a sua produção, com consequências no crescimento de Parauapebas e, agora, também de Canaã dos Carajás.

Parauapebas, como era de se esperar, teve que sofrer com o crescimento rápido de sua população. Dos pouco mais de 10 mil habitantes previstos inicialmente, passou a contar com mais de 200 mil habitantes, em pouco mais de três décadas.

Isso provocou uma certa desorganização na sua urbanização, que só nos últimos anos está sendo atenuada. E também trouxe os benefícios e os problemas sociais de cidades maiores. Como até agora, os tributos da mineração têm sido crescentes, não tem faltado recursos para minorar alguns de seus problemas.

Entretanto, Parauapebas não pode cometer o equívoco de continuar dependente de apenas uma atividade produtiva. Muitas cidades que seguiram essa rota, entraram em decadência depois do seu apogeu.

Todos sabem que os depósitos minerais são finitos e, em algum dia, as atividades mineiras terão que ser encerradas. Parauapebas tem que evitar que essa decadência ocorra no seu futuro, pois esse é o destino de toda cidade que depende exclusivamente dos recursos da mineração. No oeste americano chegou-se a ter até as famosas cidades fantasmas, fruto do encerramento da corrida do ouro.

Mas esse risco não ocorre apenas em relação à mineração, mas em relação a qualquer atividade econômica que se torne exclusiva de determinada comunidade. Recentemente houve o exemplo do desemprego, com consequentes problemas econômicos, em algumas cidades brasileiras, provocado pelo encerramento da produção de veículos da Ford, no Brasil.

Parauapebas tem que encontrar novos caminhos para o seu desenvolvimento. Para isso tem que formar uma população preparada para esses desafios. As crianças de hoje, e as que vão nascer, é que terão que encontrar os novos rumos para o município.

E a maneira com mais chance de êxito no futuro da cidade é o investimento maciço na educação. Só uma população bem preparada conseguirá ter sucesso no enfrentamento dos problemas futuros. Assim, os países desenvolvidos enfrentaram os seus problemas, criando uma sociedade capaz para essa missão. É importante que a sua população encontre os seus caminhos e não fique na dependência de soluções vindas de fora.

O Brasil encontra-se em uma grande encruzilhada de seu desenvolvimento porque a sua sociedade chegou ao limite de sua competência, causada pela decadência da educação nos últimos cinquenta anos. Parauapebas terá que dar competência à sua população.

Quais serão os caminhos futuros de Parauapebas? A vocação mineral poderia ter estimulado alguma atividade industrial, mas isso não ocorreu. Talvez surjam propostas de indústrias de ponta no futuro. Outros caminhos estariam relacionados com a melhoria da qualidade das atividades agrícolas e da pecuária. Muitos municípios brasileiros mantêm o seu desenvolvimento apenas com o agronegócio.

Permanece no ar quando isso poderá ocorrer. Tudo vai depender do ritmo de produção das minas de ferro. Da mesma forma que ampliou, poderá reduzir, dependendo das flutuações do mercado internacional, principalmente da China. Sempre há a possibilidade de que a Vale inicie o aproveitamento das reservas de itabirito, como está ocorrendo em Itabira, após o esgotamento dos depósitos de hematita. Também depósitos de cobre-ouro poderão vir a serem descobertos nas áreas do município. Mas serão sempre produtos com menor valor total que a atual produção de minério de ferro. E, consequentemente, com menos empregos e menores tributos.

Considerando a reservas geológicas iniciais da Serra Norte, a produção já realizada – ao redor de 2 bilhões de toneladas –, a produção atual – pouco superior a 100 milhões de toneladas por ano –, poderíamos supor a permanência de sua capacidade produtiva entre 3 e 4 décadas. Esse é o tempo que Parauapebas tem para encontrar novos caminhos. Devemos lembrar que a produção de Serra Norte já persiste por quase 4 décadas.

O município de Canaã dos Carajás terá mais tempo, pois as reservas da jazida S11 são bem maiores, e há outros depósitos menores de hematita, na sua área de influência.

Daquele ano até hoje o que mudou na geologia do Brasil e do mundo?

Passado mais de meio século, muitas mudanças aconteceram, não só na geologia, mas em todas as atividades da humanidade.

A população mundial aumentou consideravelmente; terminou a Guerra Fria – mas explodiram os conflitos do Oriente Médio; surgiram o neoliberalismo e a globalização – que agora encontram-se em uma encruzilhada; a era digital afetou profundamente a produção industrial e as comunicações; novos materiais foram criados – mas os bens minerais continuaram insubstituíveis e com consumo crescente, apesar da reciclagem; e, finalmente, uma pandemia abala a humanidade por quase dois anos.

No Brasil, a atividade mineral era ainda pouco desenvolvida. Basta lembrar que a maior mina brasileira era a da CVRD, em Itabira, Minas Gerais, que produzia ao redor de 10 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. A segunda era a de manganês, da ICOMI, em Serra do Navio, Amapá, que produzia anualmente pouco mais que 700 mil toneladas de minério.

As demais minas eram de pequeno porte, concentradas em Minas Gerais, mas também espalhadas pelos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Rio Grande do Norte, Goiás e Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul).

Na Amazônia havia atividade garimpeira em busca do ouro, no Gurupi e no Amapá, e começava a expansão na Província Aurífera do Tapajós. A descoberta de cassiterita em Rondônia provocou outra corrida garimpeira, que depois se espalhou por outras drenagens da Amazônia. O garimpo de diamante estava decadente, em Roraima e no rio Tocantins, entre Marabá e Ipixuna.

Em relação ao petróleo, nessa época a Petrobrás começava a dar passos mais ousados, com prospecção na plataforma continental, até chegar, em tempos mais recentes, ao sucesso do Pré-Sal.

A atividade geológica, até então era desenvolvida pelos poucos engenheiros de minas existentes. Os primeiros geólogos brasileiros começaram a atuar no início da década de 60.

Na Amazônia, os trabalhos de reconhecimento e mapeamento geológico ainda estavam restritos aos dos pioneiros que, com muitas dificuldades, haviam subido alguns dos grandes rios, e registrado a sua geologia.

Mas na década de 60, a entrada de companhias estrangeiras na Amazônia, na busca de minérios de alumínio e de manganês, alteraria profundamente o interesse pela sua geologia e por seus depósitos minerais.

As descobertas de bauxita no Trombetas, pela ALCAN, e em Paragominas, pela RTZ, transformaram a região em produtora de bauxita e, posteriormente, também de alumina e de alumínio. Na mesma época também é descoberto o caulim do Jari e, alguns anos depois, do Capim.

Mas sem dúvida, a descoberta do ferro de Carajás, pela Companhia Meridional de Mineração, empresa brasileira da poderosa United States Steel, na época a maior siderúrgica do mundo, teve enorme impacto mundial, motivando a entrada de muitas empresas brasileiras e estrangeiras na Amazônia, em busca de minérios, principalmente a partir da década de 70.

A descoberta do ferro de Carajás também sensibilizou o governo brasileiro, que na gestão do Professor Antônio Dias Leite Júnior, no Ministério de Minas e Energia, adotou uma série de medidas para acelerar o conhecimento geológico e mineral do País, notadamente na Amazônia.

Foi criada a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, a CPRM, que corresponde ao Serviço Geológico do Brasil, com a missão de realizar levantamentos e mapeamentos geológicos, que atendam às necessidades da sociedade brasileira e, em particular, das empresas de mineração.

Também foi implantado, a partir do início dos anos setenta, o Projeto Radam, que fez completa cobertura da Amazônia com imagens aéreas de radar, anos depois expandida para todo Brasil.

Essas imagens de radar foram fundamentais para o apoio dos trabalhos de geologia na Amazônia, considerando que os mapas então existentes, na escala ao milionésimo, eram pouco confiáveis.

De posse das imagens de radar, a equipe do Projeto Radam, composta de geólogos, geógrafos, biólogos, botânicos e engenheiros florestais, executou trabalhos de campo, que permitiram a elaboração de mapas cartográficos, geológicos, de solos e florestais de toda Amazônia. Foi uma grande evolução para o conhecimento de toda região.

A última ação, do Ministério de Minas e Energia, foi estimular a Companhia Vale do Rio Doce, a antiga CVRD estatal, a criar uma empresa destinada à exploração e à pesquisa geológicas, para possibilitar a diversificação das suas atividades mineiras, na época restritas ao minério de ferro.

Assim, foi criada a Rio Doce Geologia e Mineração – DOCEGEO -, que cumpriu plenamente o seu papel, particularmente na área de produção de minério de cobre. Mas a DOCEGEO também possibilitou a diversificação da Vale em outras áreas minerais, como na de minério de alumínio (bauxita), ouro e caulim, hoje abandonadas pela empresa.

Por volta dos anos 60, enquanto tudo isso acontecia no Brasil e, particularmente na Amazônia, os países tradicionais na produção de minério, como por exemplo, o Canadá, os EUA, a Rússia, a África do Sul e a Austrália, começaram a sentir certa dificuldade em descobrir grandes depósitos minerais próximos da superfície.

O caso do Canadá era especial, pois grande parte do país é coberta por espessa camada de sedimentos glaciais, que mascara totalmente a rocha subjacente e eventuais depósitos minerais. A situação da Amazônia guarda certa semelhança, pois no lugar da cobertura glacial temos uma espessa camada de solo, além da cobertura florestal, que também oculta a rocha subjacente e seus possíveis depósitos minerais.

Tem início o aprimoramento da prospecção geofísica, que utiliza as diferentes propriedades físicas das rochas e de seus depósitos minerais. E também da prospecção geoquímica, que atua a partir das contaminações produzidas pela presença de ocorrências minerais, nas rochas, nos solos, nas drenagens e em seus sedimentos.

Os levantamentos sísmicos passam a ser fundamentais para a descoberta de depósitos de petróleo, inclusive em águas profundas, onde a Petrobrás é pioneira.

Vários métodos de prospecção geofísica foram adaptados a levantamentos aéreos, partindo dos magnetométricos, passando pelos radiométricos e eletromagnéticos, e chegando aos gravimétricos em tempos mais recentes. Esses métodos tiveram grande contribuição para a descoberta de novos depósitos minerais no mundo, mas também no Brasil e, particularmente, em Carajás.

A Meridional, logo no início dos seus trabalhos, em agosto de 1967, aproveitando a revisão, em Belém, de um DC-3 da LASA, que realizava levantamentos magnéticos para a Petrobrás, em Barreirinhas, no Maranhão e, utilizando um “contrato de gaveta”, graças à amizade de Gene E. Tolbert com o geofísico americano da empresa, deslocou essa aeronave para trabalhos na região de Carajás e no Amapá. O objetivo era encontrar alguma anomalia magnética associada aos depósitos de manganês do Sereno e de Serra do Navio. Nada foi detectado, mas quando o DC-3 sobrevoava as grandes clareiras de Carajás, a anomalia registrada era enorme, confirmando a presença de minério de ferro, mesmo antes de terem sido visitadas pelos geólogos.

A partir da década de setenta, os levantamentos geoquímicos e geofísicos passaram a ser utilizados regularmente pelas empresas que atuam no Brasil, mas também pelos órgãos de governo, como o antigo Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM (hoje, Agência Nacional de Mineração – ANM), e pelo Serviço Geológico do Brasil – CPRM, notadamente a partir da década de 90.

Na área de geoquímica, os levantamentos, a partir de amostras de solos, já eram conhecidos há algum tempo. Mas na década de 60, foi desenvolvida uma nova técnica de amostragem, que teve a participação do geólogo canadense, Peter Bradshaw, baseada no fato de que um depósito mineral é uma anomalia da crosta terrestre, que contamina o que está ao redor, como o solo resultante de sua alteração, mas também as águas, superficiais ou subterrâneas.

Os íons metálicos do depósito mineral, levados pelas águas, são adsorvidos pelas argilas das drenagens. Levantamentos sistemáticos, com a coleta espaçada das argilas dos pequenos rios, com posterior análise, podem determinar anomalias, com maior concentração do metal, nas proximidades do depósito mineral. Posterior follow up, nas proximidades das anomalias, com levantamento geoquímico com amostras de solos, pode definir a localização bem aproximada do possível depósito mineral.

Peter Bradshaw visitou Carajás, já nos tempos da Meridional, para verificar se essa técnica poderia ser útil na prospecção de manganês na serra de Buritirama. Posteriormente, no início da década de 70, voltou a Carajás, para visitar os trabalhos da DOCEGEO, que já havia adotado como rotina os levantamentos geoquímicos baseados na amostragem de sedimentos de corrente.

A DOCEGEO realizou levantamentos geoquímicos, com amostragem de sedimentos de corrente, em quase todas as drenagens situadas em rochas pré-cambrianas da Amazônia. Mas foi em Carajás que obteve maior sucesso.

A partir do levantamento geoquímico com sedimentos de corrente, foi descoberto o maior depósito de cobre-ouro do Brasil. A produção do depósito do Salobo que foi iniciada no final de 2012, correspondendo à maior mina de cobre do País, com a produção anual de 200 mil toneladas de cobre contido em concentrados, e com programa de expansão para 260 mil.

Outros depósitos de cobre, de menor porte, também foram descobertos em Carajás através da geoquímica. Na definição do depósito de cobre do Sossego a utilização da geoquímica também foi fundamental.

Em meados da década de 80, levantamento geoquímico, com amostras de solos, levou à descoberta do grande depósito de ouro do Igarapé Bahia. O seu baixo teor impedia a garimpagem, mas permitia a sua recuperação, com bons resultados financeiros, através da lixiviação do minério em pilhas, com cianetação, e posterior recuperação  A mina do Igarapé Bahia produziu, até 2001,  cerca de 110 toneladas de ouro, mais que o dobro do lendário garimpo de Serra Pelada.

Na década de 90, a expansão da tecnologia da informática também deu grande contribuição para o desenvolvimento dos trabalhos de geologia. São criados programas que passam a apoiar o registro dos dados coletados, em tabelas, cálculos e mapas, mas também na integração dos diversos dados. Tarefas que levariam muito tempo, quando possíveis, para serem executadas, tornam-se muito mais rápidas com o auxílio do computador. Os desenhistas, que durante muito tempo foram um valioso auxiliar do geólogo, perdem a sua função.

O desenvolvimento do “GPS” (global positioning system) também passou a dar grande contribuição para os trabalhos de geologia, favorecendo a perfeita localização das amostras coletadas e dos demais trabalhos de campo.

Os levantamentos aéreos geofísicos também tiveram grande evolução com toda essa tecnologia agregada. A sua utilização em Carajás, pela DOCEGEO, levou à descoberta de várias anomalias magnéticas, algumas das quais deram origem a depósitos de cobre. Em1996, foi descoberto o valioso depósito de cobre-ouro do Alemão, o primeiro não aflorante de Carajás. Logo depois foi revelado o depósito de cobre do Cristalino.

A Amazônia ainda possui áreas geologicamente desconhecidas, mesmo fora das reservas florestais e indígenas, e das zonas de fronteira. Mas certamente não existe outra província mineral com a  relevância de Carajás, com a sua potencialidade e diversidade mineral.

Carajás está no estágio de descobertas em que se encontravam o Canadá e a Austrália na década de 60, quando os maiores depósitos superficiais já haviam sido descobertos. Mas continua aberta a possibilidade de novos depósitos subterrâneos, particularmente de cobre-ouro. A definições estruturais de sua geologia e os levantamentos geofísicos serão fundamentais para o desejado sucesso.

Em cerca de seis décadas houve grande evolução no conhecimento da geologia e da tecnologia utilizada nos programas de exploração e pesquisa geológicas, mas a presença do geólogo no campo, com o seu martelo ainda é indispensável.

A mineração prejudica o meio ambiente?

Toda atividade do Homem prejudica o meio ambiente, seja econômica ou não, até a simples construção de uma moradia. Cabe ao Homem, para a sua sobrevivência minorar os impactos ambientais no desenvolvimento de suas atividades, produtivas ou não.

Tudo que o Homem produz depende de um insumo mineral. Até a agricultura e a pecuária dependem dos produtos da mineração.

A mineração, como qualquer atividade econômica, afeta o meio ambiente. Não há como retirar os recursos minerais do subsolo sem fazer grandes escavações, sejam a céu aberto ou subterrâneas. Além disso, em muitos casos há necessidade da construção das barragens de rejeito, para deposição do material descartado no beneficiamento do minério.

As escavações, quando de pequena profundidade, como no caso das minas de bauxita, podem ser novamente aterrados, com reposição da camada de solo, e reflorestados. As mais profundas transformam-se em lagos, como já ocorreu nas minas de manganês de Serra do Navio, no Amapá e, no futuro, certamente vai acontecer nas cavas de minério de ferro e de cobre de Carajás. É só lembrar o que sucedeu no garimpo de Serra Pelada. As pilhas de estéril, da rocha encaixante do minério, podem ser reflorestadas, como já está sendo feito em Carajás. A mineração não deixa só buracos, mas também elevações.

As barragens, caso não sejam construídas, e monitoradas, com tecnologia adequada, podem provocar, com o seu rompimento, grandes tragédias humanas e ambientais, como foram os casos de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.

Em Carajás, está sendo reduzido o uso de barragens de rejeito nas minas de ferro e de manganês. Apenas a mineração do cobre vai continuar necessitando de barragens de rejeito.

O Homem passou a depender do subsolo desde a Idade da Pedra, quando deixou de ser um simples coletor e passou a conviver com a agricultura. Como a humanidade, mais do que nunca, necessita de produtos da mineração para a sua sobrevivência e desenvolvimento, minas continuarão sendo abertas, principalmente nas regiões com grande potencial geológico como Carajás.

Como vê hoje a profissão de geólogo e o qual a mensagem para os jovens que querem ingressar nesta importante profissão?

Quando os primeiros geólogos brasileiros de formaram, além do magistério nas próprias universidades, a opção era o trabalho nas poucas minas existentes ou na prospecção de petróleo na Petrobrás, que estava organizando o seu excepcional quadro de geólogos. Praticamente, ainda havia pouco trabalho na prospecção mineral, com exceção da jovem equipe da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, na busca de urânio.

Com a entrada das grandes empresas, principalmente com a inovação do programa da United States Steel, liderado por Gene E. Tolbert, ex-professor do Curso de Geologia da Universidade de São Paulo, começou a ser formada no Brasil a cultura da exploração geológica, ou seja, do uso de conhecimentos geológicos para a descoberta de depósitos minerais que possam ser utilizados economicamente.

Hoje, a atividade do geólogo está bem diversificada. Pode atuar como cientista dos estudos da Terra, normalmente junto a universidades; na atividade de mapeamento geológico, contribuindo para o melhor conhecimento de determinada região; junto à engenharia, em estudos geotécnicos destinados à construção civil; na área ambiental, investigando os problemas geológicos decorrentes da relação entre o homem e a superfície terrestre; na geologia de petróleo, acompanhando a descoberta e monitorando campos petrolíferos; e na exploração geológica.

O jovem, que quiser seguir a carreira de geólogo, tem que gostar de viajar e não ter medo do desconhecido, aceitar a falta de conforto dos acampamentos e o isolamento da família, e ter um espírito aventureiro.

Pessoalmente, não me arrependo de ter me dedicado à exploração geológica. Este ramo da geologia é como a do clínico na medicina. Tem-se que usar todo o conhecimento geológico na busca do desconhecido, na descoberta de novas riquezas minerais, que possam contribuir para o desenvolvimento econômico e social de determinada região, e do País.

Por ter chegado à região de Carajás em 1967, por ter descoberto a Mina de Carajás em 31 de julho daquele ano, por amar a mineração e por ter contribuído com o desenvolvimento da mineração, da geologia de Parauapebas, do Pará e do Brasil, o geólogo paulista Breno Augusto dos Santos, de 81 anos, é o nosso homenageado de hoje no “Projeto Entrevistas com Pioneiros”. Uma entrevista exclusiva e histórica.

 

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Ei, Psiu! Já viu essas?

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