A fumaça densa que mudou o cenário nos quatro cantos de Marabá há cerca de dez dias lembra a cena profética de Mateus 24:29: “Depois daqueles dias, o sol escurecerá e a lua não dará sua claridade”. Quem viver, verá. E o fumaceiro aumentou tanto nos últimos dias que ontem, quarta-feira, 2, o Aeroporto de Marabá ficou fechado para pousos e decolagens o dia todo.
Nos 22 centros de saúde do município o número de crianças com problemas respiratórios na última semana mais que dobrou, segundo dados preliminares da Secretaria Municipal de Saúde. Alguns enfermeiros, que têm prerrogativa do Ministério da Saúde para consultar crianças até cinco anos, informaram à Reportagem que dos 12 pacientes que atendem por dia, pelo menos 80% apresentam problemas respiratórios.
As redes sociais de marabaenses têm ficado infestadas de fotografias e comentários sobre o fumaceiro na cidade. Uma das imagens mais marcantes é do principal cartão postal da cidade, que praticamente desapareceu com a fumaça. Que chegava à grande da orla só conseguia ver o rio até cerca de 100 metros.
Cláudio José Pinheiro Filho postou uma foto do local e complementou com a seguinte legenda: “Essa é a orla de Marabá, nesse momento. Uma fumaça sem fim, pelas queimadas intermináveis na região amazônica”. A imagem dele teve 36 compartilhamentos em quatro horas e outras dezenas de comentários.
O site Climatempo apontava por volta de 17 horas de ontem, quarta-feira, que a temperatura estava em 33º (com fumaça) e umidade de apenas 59%. Pancadas de chuvas poderão ocorrer nos próximos dias, sobretudo no sábado, com previsão de 10 mm. Aliás, a falta de chuva tem ajudado a manter e a aumentar o elevado número de focos de fogo no Pará, Maranhão e Amazonas. A densa fumaça que paira no ar prejudica a visibilidade em vários aeroportos da região.
A fumaça não é um fenômeno apenas de Marabá. Itupiranga, Parauapebas, Tucuruí, Belém e várias outras cidades do Estado estão padecendo com o problema.
Inicialmente, algumas pessoas confundiram a fumaça com nevoeiro, pois ela se intensificou no dia de uma tempestade que afetou a cidade na terça-feira da última semana. Outros acreditavam que ela estava ligada apenas a queimadas no entorno de Marabá, o que agora se sabe que não é verdade.
Fumaça atinge toda região e não tem prazo para sumir
A população local tem enfrentado problemas com as estradas, uma vez que a visibilidade está baixa, e até com o uso do serviço de aviação. Os dias mais críticos foram nas últimas terça e quarta-feira, quando a fumaça piorou ao longo do dia. Além disso, as unidades básicas de saúde registraram vários casos de pacientes com problemas respiratórios. Especialistas locais divergem nas causas da fumaça, porém concordam que todo o Pará está sofrendo com o problema.
Aurelino de Lima Neto, coordenador do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Ibama, buscou dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e concluiu que a causa desta fumaça é uma grande queimada na reserva indígena de Arariboia, no Maranhão, além da contribuição de queimadas regionais. “Enquanto não acabar o incêndio na reserva indígena do Maranhão, essa situação não vai melhorar. Porque é o El Niño que está trazendo a fumaça. A corrente de ar entra pelo litoral, ela passa pelo Maranhão e dá a volta no Pará”, explicou Aurelino.
Ele ainda informou que não há uma previsão para o término deste clima, porém afirma que as chuvas poderiam amenizar a situação. Embora Aurelino aposte que a origem da fumaça seja no Maranhão, o secretário de meio ambiente do município, Carlos Vinicius de Azevedo Brito, diz que o fumaceiro tenha início em Manaus. “Acredita-se que tudo tenha se originado no Amazonas. Na realidade é um fenômeno geral, que envolve queimada e também uma neblina que paira sobre a cidade”, informou.
Aureliano acrescentou que a cidade de Altamira chegou ao ponto de suspender os voos e decolagens e que Belém enfrenta o mesmo problema de Marabá. A cidade ainda não tinha vivenciado um clima como este fora da época de estiagem, considerando que a partir do mês de novembro o período de inverno se inicia. Porém, Marabá passa por um momento de chuvas esporádicas, favorecendo a permanência da fumaça. Boatos que circulam pelas redes sociais apontam que a causa do fumaceiro são queimadas na cidade, porém isto não foi confirmado pelos entrevistados.
Outro problema identificado neste período é que a fumaça afeta também os meios de transporte. O Aeroporto de Marabá esteve fechado durante toda esta quarta-feira (2) para pousos e decolagens, tanto de aeronaves de grande porte, quanto as menores. O nível visibilidade horizontal era de menos de 1 mil metros pela manhã e de 500 metros à tarde. Ou seja, realmente piorou ao longo do dia. A visibilidade com nível de segurança para pousos e decolagens seria de pelo menos 1.500 metros. Companhias TAM, GOL, Azul e Sete têm voos regulares diários para Marabá. Os aeroportos de Tucuruí, Carajás, Itaituba e Jacareacanga também apresentaram baixa visibilidade.
As estradas passam pelo mesmo problema, uma vez que não há visibilidade a uma distância de 100 metros. Os motoristas, então, têm optado por deixar os faróis dos automóveis acesos até dentro do perímetro urbano. Aureliano lembra que é proibido fazer queimadas, mas que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) concede certificados para áreas específicas que estão fora do perímetro urbano. Porém, segundo o secretário do órgão, esta questão está restrita à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) A pessoa que for flagrada colocando fogo em lixo, pasto, entulho, dentre outras áreas, está sujeita a multas que podem chegar a 5 ou 10 mil reais.
Pebas também está encoberto pelo cinza
Os órgãos ligados à área ambiental em Parauapebas até agora ainda não conseguiram identificar de onde está vindo a fumaça que desde a semana passada encobre a cidade. Cercada de morros, o núcleo urbano de Parauapebas está com visibilidade quase zero e muitas montanhas praticamente não conseguem ser vistas.
A espessa nuvem de fumaça também está prejudicando a visão no trânsito. Alguns motoristas redobraram os cuidados, principalmente no início da manhã e final da tarde, para não se envolverem em acidentes. De acordo com o analista ambiental do Instituto de Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Marcel Régis Morteiro da Costa Machado, o fenômeno está intrigando todo mundo, porque apesar de espessa, a fumaça não tem o cheiro típico de queimada e nem está causando irritação nos olhos.
Ainda de acordo com ele, o ano passado quando houve registro de vários focos de queimadas no Estado, não aconteceu coisa parecida. “Realmente ainda não se tem registro de situação semelhante. Claro, fumaça sempre é registrada na região, mas nunca com essa intensidade e demorando tanto tempo para se dissipar, como agora”, ressalta.
Da Praça da Bíblia, que fica em um dos morros mais altos da cidade e de onde é possível ver quase todos os bairros de Parauapebas, à visibilidade está a quase zero. Não se consegue avistar nenhum dos morros, apenas alguns prédios.
Reportagem: Ulisses Pompeu, Nathália Viegas e Tina Santos / Grupo Correio de Comunicação