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Coluna do Alípio: Zé Catacumba – Infeliz Natal…

Alípio Ribeiro - Colunista

Eis que surge uma luz para te guiar por novos caminhos. A luz natalina. O brilho do amor oriundo da dor e do sofrimento. Um brilho para dar razão à continuidade da vida dos pobres e explorados. Da manjedoura de um estábulo cheio de animais, no mais humilde dos humildes locais de uma pequena fazenda, surgiu a esperança conhecida por Jesus Cristo!

Zé Catacumba era um homem barbudo, de semblante ríspido, feio, cara de mau. Usava muletas. Sempre o conheci usando muletas. Morava no Distrito de Senador Melo Viana, na cidade de Coronel Fabriciano, MG. Era por volta de 1970. A cidade, naquela época, tinha poucas ruas asfaltadas, poucos habitantes. Chamada de cidade dormitório, por estar no meio de duas gigantes: Usiminas e Acesita!

Eu morava numa fazenda bonita, típica mineira, com gado, animais diversos, hortas, pomares… Para ir ao mercadinho do João Maia ou do Onofre, era preciso passar pela rua do Catacumba. Eu tinha muito medo dele. Eu nunca fiz nada para ofendê-lo, mas tinha medo dele. Ele jogava pedras nas crianças. E batia nelas com a muleta. Acho que ele não diferenciava as crianças boas das más. Fico pensando, hoje, como teria se iniciado a quela guerra… Quem será que maltratara quem primeiro? Os pais mandavam os filhos passarem longe do Zé. Engraçado que, quando eu passava perto dele acompanhado com algum adulto, ele nada fazia. Ficava lá, com aquela cara de mau, como que dizendo: “quando você passar por aqui sozinho, vou te pegar!”

Quando em grupo, nós enfrentávamos o Catacumba. Usávamos estilingues para acertar pedras nele. E ele não recuava. Quanto mais pedras atirávamos, mais ele vinha para cima de nós. As perninhas fininhas se agitavam entre as muletas de madeira, como duas almas traquinas se divertindo num balanço pendurado no galho de uma árvore. Uma cena cruel! Mas, para nós, divertida. O homem mau merecia. Será? A fera, se assim pode ser chamada, não era covarde. Tentava nos acertar com tudo que encontrava pela frente, menos com as muletas. Uma vez ele atirou as muletas em nós. Acertou o Pelezinho e o Xengo. Machucou-os muito. Mas os garotos pegaram as muletas dele e jogaram no ribeirão. Ele ficou se arrastando, gritando, vociferando. Os braços e os cotocos de pernas, arrastados no chão de terra dura e pedrinhas, sangraram. E nós apanhamos muito dos nossos pais. Ele se fez de vítima, de coitado.

Nós éramos os monstros.
Era véspera de natal. Eu ia pela rua, distraído, jogando birosca. Na minha inocência, concentrava meus pensamentos em Papai Noel, para que ele me desse uma roupa do Super-homem. Sim! Naquela época, eu tinha certeza que o Papai Noel existia! Senti uma pancada e uma dor muito grande na cabeça e nas costas. Caí. Gritei feito porco na hora do abate. Com a vista meio turva, vi a fera da catacumba, com os olhos vermelhos de ódio me batendo com a muleta. Mal consegui sair e correr. Levei umas cinco muletadas, e fortes! Os galos na cabeça e inchaços nas costas ficaram por dias. Minha mãe nem perguntava o que era. Só dizia: “cê já andou fazendo alguma arte por aí, né muleque?”

Pedi muito a Deus para que matasse o Zé Catacumba! Eu estava cheio de ódio e desejo de vingança. Chamei meu primo-irmão, Roberto. Disse para ele que queria matar o Zé. Fizemos mil planos. O Catacumba morava numa casa feita de barro e coberta de sapé, aquela palha seca. Não deu outra. Colocamos querosene nuns galhos secos, acendemos e jogamos sobre a casa do terrível Catacumba. O fogo pegou rápido. O Catacumba nem pegou as muletas. Saiu da casa gritando e se arrastando como um animal doente. Saímos correndo feitos doidos. Os colonos, vizinhos dele, foram socorrê-lo. Nada restou da casa. Se era para chamar aquilo de casa.

Naquela noite, eu e o Roberto não nos vimos. Sabíamos que havíamos passado dos limites. Tivemos pena do Zé. A nossa ceia de natal foi farta. Mesmo com a imagem grotesca da fera se arrastando no meio do fogo, em minha cabeça, brinquei a noite toda com meus irmãos e primos. Todos comentaram a triste história do fogo na casa do Zé. Uns diziam “bem feito”, outros diziam “coitado”. Mas o espírito natalino se sobrepôs ao fato. Papai Noel iria me dar a roupa do Super-homem. O Catacumba não tinha mais uma casa para passar o Natal.

Ganhei a roupa do Super-homem. Tinha até me esquecido do ato criminoso. Dias depois, soube que o Zé mudara para a casa do pai dele numa vila de uma cidade chamada Antônio Dias. Infeliz natal. Para quem afinal? Para uma criança de 10 anos, com o amargo sabor da vingança no coração, saciado, ou para um pobre e miserável ser sobre o qual eu nem sabia a origem de sua deficiência?

Ser feliz no Natal não é uma opção. É uma consequência daquilo que praticamos durante o ano. Não fui feliz, apesar da alegria do presente recebido, da vingança alcançada. O natal não é uma ocasião para se ter alegria num só dia. É um dia para se refletir sobre ser feliz a vida toda. É um dia para encontramos, em Cristo, o verdadeiro sentido das palavras AMOR e PERDÃO!
FELIZ NATAL!

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Ei, Psiu! Já viu essas?

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