Pesquisar
Close this search box.
Pesquisar
Close this search box.

Joaquim, o biólogo que vende picolé e quer se formar em Engenharia de Produção

"Seu" Joaquim percorre os bairros Guanabara, Da Paz, Cidade Jardim, Nova Carajás, VS 10, entre outros, para vender picolé e sorvete

Muita gente já viu um senhor simpático, calado e educado, empurrando um carrinho e vendendo picolé e sorvete pelas ruas de Parauapebas, no sudeste do Pará. Mas o que a maioria não sabe é que o baiano Joaquim Moreira de Santana, de 57 anos, é formado em Biologia, tem o curso de magistério e até o primeiro semestre de 2020 se forma em Engenharia da Produção na Faculdade Unisa, pretende fazer pós-graduação e depois mestrado. (A mensalidade da faculdade é em torno de R$ 500,00). Ele fez o curso de Engenharia de Produção de 2014 a 2017, parou em 2018 por causa de problema de saúde e voltará a estudar no segundo semestre deste ano. Otimista e determinado, já até escolheu o tema de seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso): “Tecnologia do século 21”.

Ele nasceu em Carinhanha, cidade que fica no oeste do estado da Bahia, às margens do Rio São Francisco, quase na divisa com o norte de Minas Gerais e a 788 quilômetros de Salvador. É filho do pequeno agricultor Rui Manoel Moreira e da dona de casa Maria Santana Moreira. Os pais são separados. A mãe mora com ele e o irmão Donizete (separado) no bairro Tropical em Parauapebas e o pai ainda mora na Bahia. O outro irmão João Batista Moreira de Santana, mora em Novo Repartimento. O irmão Aparecido Moreira de Santana morreu em maio de 2015 em Itaituba (PA).

“Seu Joaquim” nunca se casou e nem teve filhos nos poucos relacionamentos que teve durante a vida, que duraram em média um ano ou dois, no máximo.

Joaquim Moreira nasceu na Bahia e veio em 1988 para o Pará

 

Joaquim Moreira saiu do interior da Bahia e em 1988 e foi morar em Goianésia (PA), a onde ficou por sete anos e fez um pouco de tudo para sobreviver. Depois morou em Rondon do Pará, onde cursou Magistério e em seguida morou por 14 anos em Novo Repartimento, também no Pará, onde se formou em Biologia em 2011 numa faculdade particular e trabalhou por 10 anos como professor contrato daquele município.

No dia 24 de julho de 2013 “Seu” Joaquim chegou a Parauapebas. “Lembro bem do dia porque haviam acabado de matar um empresário (Altamiro Borba Soares, que era dono de uma rede de posto de gasolina)”. Nessa época, o saudoso irmão Aparecido morava em Parauapebas e Joaquim ficou um tempo na casa dele. Em Parauapebas, mesmo sendo biólogo e com experiência como professor, Joaquim Moreira não conseguiu emprego e foi trabalhar numa fazenda e depois como ajudante de pedreiro.

Há três anos, sem conseguir arrumar emprego em sua área – até entregou seu currículo em algumas escolas particulares, mas não obteve sucesso, ele resolveu vender picolé  e sorvete pelas ruas da cidade. A fábrica fica no bairro Nova Vida em Parauapebas. Ele começa a trabalhar entre 10h15 e 10h30 da manhã e vai até às 18h30.

O senhor vende quantos picolés e sorvetes por dia?

Vendo em torno de R$ 100,00 em sorvetes e picolés. Na venda do picolé eu ganho 40 centavos e na vida do sorvete eu recebo R$ 1,00”, informou Seu Joaquim, acrescentando que o sorvete mais vendido é o de açaí e quanto ao picolé as pessoas gostam mais de leite condensado e de açaí. Em média, ele consegue tirar R$ 1.200,00 por mês.

Mas para conseguir isso, ele anda muito e por onde passa já tem uma freguesia especial de empresários, comerciantes, comerciários e estudantes. Ele sai do Nova Vida por volta das 10h30 da manhã, cruza as ruas Marabá e Sol Poente, chega na Av. Liberdade, segue em direção ao bairro Nova Carajás, vai até UPA do bairro Cidade Jardim, depois pega a Av. dos Ipês, também no Cidade Jardim, volta e almoça no restaurante na área de um posto de gasolina perto do shopping da cidade. Em seguida, faz o caminho de volta pela Avenida Liberdade, segue pela Rua Bom Jardim, cruza os bairros da Paz e Guanabara e vai vender picolé e sorvete nos bairros da VS10. Haja perna e sola de sapato ou de botina, às vezes.

Quando o repórter pergunta qual o momento mais difícil da vida dele, “Seu Joaquim” responde, com ar de tristeza: “O momento mais difícil foi quando adoeci em 2018 por causa de diabetes, que chegou 495. Sofri muito”, revelou.

E o momento mais feliz?…….quis saber:

“Quando passei no vestibular para Biologia em Novo Repartimento e depois em 14 de dezembro de 2013, na Unisa, em Parauapebas, para Engenharia da Produção”. Aliás, ele disse que na faculdade todos os colegas sabem que ele vende picolé e sorvete e dão a maior força.

O que o senhor pensa do futuro?

Me formar em Engenharia de Produção, fazer uma pós-graduação, depois um mestrado, e paralelamente a isso, um curso de inglês, e depois ir trabalhar por conta própria, destacou o determinado Joaquim Moreira, que já fumou na vida, mas nunca consumiu bebida alcóolica e há seis anos frequenta uma igreja evangélica.

O que o senhor acha de Parauapebas?

Acho bom morar em Parauapebas, uma cidade de muito movimento e uma economia aquecida, disse ele.

LIVROS

O que o senhor mais gosta de fazer em seus momentos de lazer?

Gosto de ler.

Quantos livros o senhor já leu na vida?

Acho que já li mais de 200 livros dos mais diversos autores, incluindo: Machado de Assis, Clarice Lispector, Mário Quintana, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Olavo Bilac, Graciliano Ramos, Castro Alves, o maranhense Humberto de Campos, Casimiro de Abreu, o gaúcho Érico Veríssimo, muito bom aquele livro “O Tempo e o Vento”. Do baiano Jorge Amado eu gosto do romance “Gabriela, cravo e canela”, e gosto muito também do maranhense Gonçalves Dias, aquele da Canção do Exílio: “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. E gosto muito dos poetas e escritores portugueses: Bocage (Manuel Maria Barbosa du Bocage, o mais importante poeta português do século XVIII, que nasceu em 1765 e morreu em 1805); e também o outro grande poeta e filósofo português Fernando Pessoa (que nasceu em Lisboa em 1888 e morreu em 1935), e Camões. (Luís Vaz de Camões, considerado uma das maiores figuras da literatura portuguesa, que nasceu em 1524 e morreu em 1580 em Lisboa, Portugal).

E qual o estilo de música que o senhor gosta?

Gosto do sertanejo nato. Tião Carreiro e Partinho, Tonico e Tinoco, Teodoro e Sampaio, Zé Rico e Milionário, André e Andrade, Irmãs Galvão, Irmãs Freitas, Gino e Geno, Di Paulo e Paulinho, entre outros.

E gosta de futebol? Qual seu time?

Gosto de Futebol e torço para Palmeiras e para o Parauapebas Futebol Clube, afirmou, ressaltando que quando jovem jogava até bem como médio volante.

Frustrações da vida

Muitas frustrações, especialmente, sentimentais. Amei mulheres e não fui correspondido. Mas ainda penso em arrumar uma companheira para terminar os meus dias de vida, revelou.

Como o senhor se sente vendendo picolé e sorvete nas ruas, tendo curso superior?

Me sinto envergonhado. Humilhado.

Mas vendedor de picolé e sorvete também é uma profissão digna, provoco ele….

– É, Lima, mas o povo olha pra gente com desconfiança, pensa que a gente é um elemento qualquer que nem sabe escrever e faz o pré-julgamento.

Às vezes as pessoas que julgam nunca leram os livros que o senhor já leu….

– Ah, com certeza…faço é apostar que nunca leram.

E finalizando a entrevista, antes que eu desligasse o gravador, perguntei o que ele acha da Biologia e Seu Joaquim respondeu:

A biologia, a física e matemática são fundamentais para a ciência, afirmou o biólogo e picolezeiro, que sonha em arrumar um emprego como professor e voltar para a sala de aula e transmitir seus conhecimentos para os alunos de escolas públicas ou particulares.

Repercussão

Joaquim Moreira de Santana é um exemplo de vida para todos, como destacou o empresário Aroldo Sena, que tem uma loja na Av. Liberdade, no Bairro da Paz, por onde “Seu Joaquim” sempre passa para vender picolé e prosear um pouco:

 

– Tenho certeza que ele é o exemplo para a gente. Exemplo para a vida de cada um de nós. Exemplo de perseverança e honestidade. Ele está ganhando a vida é na botina. É no pé todos os dias. Então, nada do mais que digno o que você está fazendo em homenagem a um homem desse, em reconhecimento ao trabalho dele e ao que ele está fazendo e sobre a perspectiva de vida. Pela idade que ele tem ainda corre atrás de algo mais na vida. Para mim ele é um grande exemplo. Conheço Seu Joaquim há uns dez meses e nesse período venho acompanhando ele todos os dias, ganhando a vida no sapato, com o picolé. Isso para mim é um grande exemplo que vou levar por toda vida para mim, para meus filhos e para todas as pessoas que eu conhecer. Por isso é que nós estamos aqui conversando sobre o Seu Joaquim, disse o empresário Aroldo.

O empresário Aroldo Sena disse que a determinação do picolezeiro Joaquim Moreira serve de exemplo para todos nós

 

O casal Yuri da Silva Pereira e Tássia  Pereira,  de Dom Elizeu (PA), que mora na Vs10 em Parauapebas comprou picolés do Seu Joaquim durante a entrevista. O casal estava com o filho Isaac, de 4 anos.

O casal Yuri e Tássia sempre compra picolé de “Seu” Joaquim, juntamente com o filho Isaac, de 4 anos

 

– Sempre que posso eu compro o picolé ele. É gostoso. Não sabia que ele tem curso superior. É complicado. Ele tem curso superior e experiência e não parou no tempo. Continua estudando para se formar em outro curso. É um exemplo para todos nós, afirmou o vigia Yuri da Silva, de 31 anos.

O mototaxista Jadson da Silva, do bairro Nova Vida, que veio de Santa Helena do Maranhão, e mora em Parauapebas há 12 anos, é casado e pai de um filho, enquanto aguardava a esposa em frente à Praça da Faruk Salmen, elogiou a determinação do sorveteiro e picolezeiro Joaquim Moreira.

O mototaxista Jadson da Silva ficou surpreso ao saber que “Seu” Joaquim tem curso superior e está fazendo mais um em uma faculdade de Parauapebas

 

– Meus Deus, um cara desse é guerreiro demais. O cara arrumar tempo para estudar nesse dia a dia corrido é demais. Eu vejo ele sempre pela rua, mas nunca imaginei que ele tivesse curso superior. É um grande exemplo para todos, afirmou.

Ao ser informado que Seu Joaquim já leu mais de 200 livros, o Jadson reagiu: “Acho que não li nem cinco livros durante minha vida. Meus Deus do Céu. Agora a gente vê que o Brasil é desigual. O povo vê ele e acha que é só mais um vendedor de picolé, sem menosprezar quem vende picolé, que exerce uma profissão digna. Mas ele tem curso superior e está concluindo o segundo curso superior. Por isso que o Brasil está como está porque gente qualificada não consegue ocupar um cargo e exercer sua profissão”, desabafou Jadson da Silva, que trabalha há dois anos como mototaxista em Parauapebas.

Qual sua reação para esta matéria?
+1
0
+1
0
+1
0
+1
0
+1
0
+1
0
Ei, Psiu! Já viu essas?

Deixe seu comentário