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Por Lima Rodrigues | Colaborador do Portal Pebinha de Açúcar

Após quase dois anos de tentativas, finalmente acho que consegui descobrir alguns dados pessoais deste homem que perambula, descalço, pelas ruas de Parauapebas (PA), maltrapilho, calado e sem falar nada com ninguém. O nome dele é Gabriel Costa de Carvalho e é de Formosa, uma pequena cidade de Goiás que fica a 60 km de Brasília. Usando um ponto turístico da aconchegante cidade goiana, consegui descobrir a origem do Gabriel. Mas a tentativa da descoberta é mais antiga.

 

No primeiro semestre do ano passado, de tanto ver aquele homem sujo, barbudo, praticamente sem roupa, sem calçado, andando pelas ruas de Parauapebas, tentei me aproximar dele na Rua 14, no centro da cidade. Cheguei de mansinho, ofereci um suco de caixinha e um pacote de biscoito e ele aceitou. Aí perguntei se estava tudo bem e fui direto ao assunto:

– Você é de onde?

– Sou de Formosa, respondeu.

– Eu conheço Formosa. Morei mais de 30 anos em Brasília, que é perto de lá, retruquei.

– Eu te conheço de lá, disse o desconfiado homem.

Tendo certeza que ele não me conhece de Brasília, notei que nosso amigo Gabriel começou a falar coisas sem nexo, mas a cidade de Formosa ficou na minha cabeça. Como aquele homem, que notoriamente não regula bem, sabia que existia uma cidade com o nome de Formosa?

Fiquei pensando naquilo algum tempo, mesmo após ter ido embora e ter deixado o Gabriel seguir seu caminho pelas ruas da cidade, sem ofender ninguém, sem mexer com qualquer pessoa e no rigoroso estilo dele: calado, mas com o olhar atento.

Algum tempo se passou e notei que a camiseta dele estava toda rasgada, já quase não cobrindo nada do corpo.  Esfarrapado. Peguei uma camiseta em casa – e pelo meu peso e minha altura  – com certeza ficaria até folgada nele e deixei-a no carro.

Um belo dia me encontrei com o Gabriel de novo. Tentei me aproximar e oferecer-lhe a camiseta nova, mas ele não aceitou e saiu apressadamente.

– Moço, ele não aceita nada de ninguém. Aqui na rua (14) já fizemos de tudo para dar roupa para ele, mas o homem não aceita nada de jeito nenhum. Fizemos até vaquinha em dinheiro para ajudá-lo, mas ele não aceita nada, me disse um cidadão que trabalha como ambulante naquela área do Bairro União.

Dias depois vi uma discussão nas redes sociais. Alguém postou a foto do Gabriel e criticava as autoridades municipais por deixar aquele homem desprezível andar jogado pelas ruas de Parauapebas, sem calçado e passando fome.

Mas aí alguém respondeu ao cidadão – que até postou uma foto do Gabriel:

– Para de falar besteira, rapaz. Muita gente já tentou ajudar esse homem e ele não quer ajuda. Até já postaram fotos dele em vários grupos para descobrir algum parente dele, mas ele que não quer a ajuda de ninguém, declarou alguém para o moço que postou a mensagem crítica às autoridades e a foto do Gabriel.

O tempo passou e sempre que circulava de carro por vários pontos de Parauapebas via aquele homem cada vez mais esmolambado, praticamente sem camiseta e a bermuda com os pedaços de panos amarrados na pontas. Muitas vezes o encontrava parado, olhando para o tempo, como se estivesse meditando, mesmo em pé e firme como se fosse um guarda presidencial, sob o forte calor da cidade.

A cachoeira me ajudou a descobrir a sua origem

Tudo mudou, superficialmente, pelo menos, no que se refere às origens do andarilho maltrapilho, a partir do novo e bem sucedido diálogo que tive com ele na mesma Rua 14, a poucos metros do nosso primeiro encontro do ano passado, na terça-feira, dia 14 de agosto de 2018,  por volta das 15h.

– Tudo bem?

– Tudo bem, respondeu ele secamente.

– E Formosa como está? Perguntei para a ver a reação dele:

– Tá bem, retrucou.

Aí, eu tive uma grande sacada de falar alguma coisa interessante que tem em Formosa, lá em Goiás, para ver se ele conhecia mesmo a cidade. Deu certo.

– Formosa tem uma cachoeira bonita…  E, esperando a reação dele, indaguei: como é mesmo o nome?

– Itiquira, respondeu ele prontamente. (Itiquira significa água que cai do alto. O Parque Municipal do Itiquira é administrado pela Prefeitura de Formosa. O salto do Itiquira é a maior cachoeira do Centro-Oeste, com 168 metros de queda livre, e fica a 280 km de Goiânia. Fonte: site oficial de Itiquira e www.curtamais.com.br).

E só para lembrar: no primeiro encontro há mais de um ano e meio ele havia me dito que era de Formosa.

A partir dali, depois de mais de um ano e meio de “investigação” sobre sua origem, eu constatei que o andarilho de Parauapebas é mesmo de Formosa. Aí, liguei o gravador do celular e comecei a puxar conversa:

– Como é mesmo teu nome?

–  Gabriel Costa de Carvalho.

– Você nasceu lá mesmo em Formosa?

– Não. Lá perto, respondeu, de novo, secamente.

– Você lembra o nome de teu pai?

– Lembro sim. É Benedito.

–  E da tua mãe?

–  Sebastiana.

– Você tem irmãos?

– Tem um bocado. Nem sei.  Tem o Matias. O Tonico… (Talvez ele quisesse dizer que são vários irmãos e que não sabe o nome de todos).

– Você lembra quando chegou aqui ao Pará?

– Tenho 14 anos aqui.

– Você tem filhos?

– Tenho dois, mas ficaram lá em Cametá, respondeu o andarilho.

– Mas Cametá fica longe. É lá perto de Tucuruí, aqui mesmo no Pará, respondi e prossegui:

– Você trabalhava em que?

– Na juquira.  (Mato que cresce no campo).

Sempre trabalhou na roça?

– Sim.

– Se eu conseguisse um emprego, você voltaria a trabalhar na roça? Perguntei.

A partir daí o Gabriel deixou mais uma vez de ser o goiano Gabriel e voltou a ser outra pessoa e a falar palavras sem nexo.

– Você dorme a onde?

– Lá na juquira em Cametá.

– E está passando fome?

Aí ele ficou calado.

Mas o pessoal te dar comida todo dia?

– Eu como lá em Cametá.

Aí notei que o Gabriel já havia ido embora e eu estava ali falando sozinho.

Finalizando nossa conversa, disse que ia providenciar uma bermuda para ele, mas o homem, por enquanto identificado como Gabriel, não respondeu nem sim e nem não e seguiu sua caminhada pela Rua 14, sem destino, por outras ruas de Parauapebas.

Mas agora está fácil para o pessoal da área de saúde mental dos municípios de Parauapebas e de Formosa (GO) ajudar o Gabriel a reencontrar sua família e voltar a ser um cidadão como outro qualquer, levando em conta os raros momentos em que ele é o Gabriel e antes que ele volte a ser uma outra pessoa, sem nome e sem documento, que não sabe ao menos o que está dizendo. Este homem precisa é de ajuda!

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