Ele não é andarilho. Segundo a Semas, “é uma pessoa em situação de rua”
Barbudo, geralmente vestindo uma camiseta e uma ou duas camisas por cima, calça jeans já bastante usada, botinha de cadarço seminova e com o seu inseparável carrinho de mão, cheio de sacolas plásticas, garrafa d’água e até gelo.
Assim, a população de Parauapebas já se acostumou a ver pela rua o piauiense Raimundo Nonato de Oliveira Neto, que, segundo a Secretaria de Assistência Social (Semas), “não é andarilho e sim pessoa em situação de rua”. Ele me disse que há 20 anos circula pelo Pará, mas em Parauapebas já está há uns quatro anos. “Estive aqui outras três vezes”, explicou.
A Semas presta serviço de assistência na área de política social, na mesma situação do “Seu” Raimundo, para cerca de 30 pessoas atualmente em Parauapebas, e ele vem sendo acompanhado há muito tempo por técnicos da Semas com todo carinho do mundo. Ele inclusive já foi cadastrado no Creas, recebe R$ 89,00 por mês do Programa Bolsa Família e em fevereiro de 2019, também por intermédio da Semas, será dada entrada em um novo pedido de “Benefício de Proteção Continuada” (BPC), já que o primeiro não foi atendido pelo INSS.
Apesar de ter familiares no Piauí, inclusive mãe, avó e um irmão, e irmãs no Maranhão, o simpático Nonato prefere viver livre pelo mundo. “Gosto de vida livre. De liberdade”, me disse ele durante quase uma hora de conversa na tarde de sexta-feira, dia 16 de novembro, à margem da Rodovia PA 275, próximo à rotatória que dá acesso ao Bairro Paraíso, em Parauapebas (PA).
Quando me aproximei dele e disse que era jornalista, ele perguntou: “Você é de internet?”. Respondi que produzia e apresentava o programa Conexão Rural na Rede TV e que colaborava com o Portal Pebinha de Açúcar. Expliquei que após descobrir a família do ex-andarilho Gabriel em Formosa (GO) e em Brasília, muitas pessoas sugeriram que eu contasse sua história.
– Era aquele moço que andava maltrapilho pelas ruas de Parauapebas, afirmei.
– Ah! Ouvi falar desse caso. Ele não tinha mais capacidade de saber se cuidar, comentou “Seu” Raimundo, referindo-se ao Gabriel.
Eu já estava gravando a conversa desde o começo, mas ele fez questão de autorizar a gravação da entrevista: “Pode colocar o aparelho para gravar direitinho”, disse ele, acrescentando: “O esquema da minha vida é o seguinte. Vou lhe falar direitinho”.
Extrovertido, boa conversa, “Seu” Raimundo Nonato me contou um pouco de sua vida.
Disse que é filho de “Seu” Geraldo e de Maria Ana de Jesus; nasceu há 65 anos em Pedro II, no Piauí. “Mas sou filho de casal separado”, fez questão de frisar. Tem um irmão chamado Ademir, que mora em Teresina, onde também mora sua mãe, dona Maria. Tem duas irmãs: Maria de Fátima Martins, que é funcionária pública, e outra, chamada Raimunda, que residem em Codó (MA). Disse que tem outras irmãs por parte de mãe, Maria do Carmo e Oneide, que moram em São Paulo. “Elas são donas de casa. Têm filhos e netos, têm a vida delas em Codó, no Maranhão, mas eu tenho uma vida tipo vida cigana. (Gargalhadas). Só não aceito é mexer com elas em termos de pedir ajuda. Eles (familiares) têm outro padrão de vida”, afirmou.
Vale ressaltar que a família já tentou convencê-lo a voltar para o Piauí, mas “Seu” Raimundo Nonato não quis. A própria Semas tem dado toda assistência para ele, dentro das normas governamentais de políticas sociais.
“Seu” Raimundo disse que é soldador profissional. “De vez em quando soldo umas cadeiras por aí. Tenho máquina de solda e tudo”, revelou, fazendo questão de dizer que já trabalhou “fichado” em grandes empresas, entre elas Camargo Correia, Queiroz Galvão e Odebrecht. Fala com alegria do período em que trabalhou na construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (PA).
“Quando eu era novo entrei em muitas empresas”, informou, e em seguida mostrou a carteira profissional, que anda enrolada em três sacos plásticos e por baixo das camisas que veste, enfiada na cintura por dentro da calça. Outros documentos ele guarda bem embrulhados dentro de sacos plásticos e pastas de papel.
– O senhor estudou até que série? Quis saber….
– Tive um estudo controlado. Numa passagem da vida, lá no interior do Piauí, tive uma professora em casa, como era no interior. Numa outra onda da vida eu passei pelo Colégio João Severino, no Bairro Marquês, lá em Teresina (PI), onde passei um ano. Depois, tive em outro colégio em Pirapema, no Maranhão, destacou.
Em seguida, ele fez questão de falar sobre sua vida profissional a partir dos 18 anos:
– Depois de algum estudo, passei a ser de maior. Tive o primeiro emprego em Teresina. Trabalhei numa garagem. Na primeira empresa trabalhei como auxiliar de mecânico e de lavador de carro. Entrei na segunda empresa como lavador de carro também. Saí da empresa e aí pintou a obra em Tucuruí. A construção da barragem. Desci para Tucuruí. Rapaz novo (sorrisos). Depois trabalhei numa firma de Belém chamada Consfara. Não existe mais. Fiquei dois anos na Consfara. Entrei na grande Camargo Correia, onde passei onze meses. Trabalhei também numa empresa Naval em Manaus, mas não gostei. Muito quente lá. E fui para Porto Velho, onde trabalhei como soldador na Odebrecht. Trabalhei em Boa Vista [RR] e até no Crato, no Ceará, disse ele, sorridente e alegre.
Em seguida, conta sobre uma viagem que fez de volta à sua cidade natal, onde providenciou novos documentos com a ajuda de um político que no passado fora amigo de seu pai. “Nem todo político é ladrão. Tem político honesto sim”, ressaltou.
Perguntei a onde ele dorme e ele respondeu com tranquilidade.
– Moro em um quartinho alugado. Já passei por vários quartinhos. Tenho fogão e panela. Tenho minhas coisas.
Perguntei se ele catava ferro velho, latinha ou papelão na rua e “Seu” Raimundo deu uma explicação convincente:
“Não mexo com isso. O que carrego no carrinho de mão são coisas minhas. É só para as pessoas terem noção do que eu faço e para mostrar que sou uma pessoa ocupada e que não fico só andando por aí”, informou, acrescentando que carrega água e até gelo no seu carrinho de mão.
Sobre sua vida sentimental, ele falou pouco.
“Nunca fui casado. Sempre trabalhei em obra coletiva. Ficava seis meses ou um ano numa empresa numa cidade. Nunca deu certo de ter família ou ser pai”.
Qual foi o momento mais feliz de sua vida?
Com um sorriso estampado no rosto, “Seu” Raimundo Nonato responde:
“Esse aqui já é um momento muito feliz. Gosto de liberdade. De vida livre”, reafirmou.
Sobre o contato com seus familiares, explicou:
“Tive há quatro anos na casa da minha irmã, no Maranhão. Às vezes falo com meu irmão lá em Teresina, o Ademir. Falei com ele na semana passada. Não quero ir mais por lá agora. Gosto mesmo é dessa região pra cá [o Pará].
Demonstrando momento de plena lucidez, apesar que deve ter leves distúrbios mentais, “Seu” Nonato disse que tem imóveis no Piauí.
“Tenho terra em Teresina. Dois lotes de terra. Consegui há muito tempo num projeto com os políticos. Os políticos fazem o lance deles para ajudar o povo. Um deputado (não revelou o nome) me colocou como microempresário, mas não tinha nem máquina (gargalhada). Depois, recebi um dinheiro e parte do dinheiro apliquei em lotes de terra. Deixei lá para o pessoal. São 100 hectares de terra. Registrado no cartório e no Incra, mas eu gosto é desta vida que o senhor está vendo”, destacou.
Futuro
“Tenho recebido o apoio da Semas. Como soldador já fui encaminhado para o Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) desde setembro, e como fiz 65 anos agora em outubro, o pessoal do Creas agendou um atendimento no INSS dia 25 de fevereiro do ano que vem para eu tentar receber um benefício de idoso, que chega a um salário mínimo. (Benefício de Proteção Continuada – BPC). Eu tenho os extratos do Sine e do INSS. Após me “aposentar”, aí sim eu penso em visitar minha família”, revelou.
Perguntei se já votou em algum político.
“Deixei de votar há muito tempo por ser andarilho, tipo cigano, mas tenho título de eleitor”, informou.
Perguntei se ele sabia quem tinha sido eleito presidente do Brasil em outubro e ele não soube responder, assim como também não sabia que o jovem Helder Barbalho fora eleito governador do Pará na eleição deste ano.
Também não soube responder quem era o prefeito de Parauapebas, mas quando revelei o nome do prefeito, Darci Lermen, “Seu” Raimundo Nonato comentou:
“Nunca tive na prefeitura. Não conheço Seu Darci. Eu gosto é de viver como o povo. Gosto de vida livre. De liberdade”, reafirmou, sempre sorridente e com ar de pura felicidade.