Não foi o aço de excelente qualidade produzido pelas siderúrgicas. Não foi o rebanho de 660 mil cabeças que faz de Marabá a 18ª maior praça bovina do país. Não foi o movimento comercial que, de uma hora para outra, descobriu R$ 2,75 bilhões escondidos no bolso da população da terra da Tucunaré. Nada disso.
O minério de cobre é a mais nova vedete da economia de Marabá e responsável por fazer o município dar o maior salto da balança comercial, entre as localidades produtoras, ao longo do ano passado.
Marabá entrou 2013 sendo o quarto maior exportador do Pará – atrás de Parauapebas, Barcarena e Canaã dos Carajás – e o 94º numa lista que tinha 2.462 localidades. O município, que exportou à época pouco mais de 518 milhões de dólares, ainda estava aprendendo a lidar com a mineração de cobre, extraído em concentrado de bom teor pela mineradora Vale do projeto Salobo, cujo depósito medido e provado é o maior do Brasil, com 1,24 bilhão de toneladas do metal.
Tudo melhorou consideravelmente no raiar de 2014. Marabá avançou muitas casas, no ranking das exportações, e até deixou seu agora rival em cobre, Canaã dos Carajás, para trás. Não que a mina do Sossego, da Vale em Canaã, tenha retrocedido. Pelo contrário, a produção vai bem, obrigado, e o empreendimento só tem previsão de encerrar as atividades em 2023, segundo documento elaborado pela própria Vale.
Mas é que, com a expansão do projeto Salobo e a redescoberta do município pelos estrangeiros, Marabá mudou de um ano para outro sua principal matriz econômica e, agora, se tornou o 61º maior exportador do país. Tudo aconteceu tão rápido que, ao rememorar 2012, a siderurgia ainda era o principal sustentáculo econômico do município, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que divulgou na semana passada dados referentes à balança comercial brasileira.
Durante 2013, Marabá exportou 878 milhões de dólares em produtos e serviços, 41% a mais que em 2012. O município apresentou o 33º melhor saldo da balança brasileira, com lucro de 806 milhões de dólares, mais que o dobro apurado com os 361 milhões de dólares de 2012 – um extraordinário crescimento de 123%. O Brasil só tem a agradecer com esse desempenho todo, responsável por colocar Marabá à frente de metrópoles como a poderosa Belo Horizonte, a sexta mais populosa e a quinta mais rica do país.
QUEM “VIL” METAL?
Vale tirou quase R$ 1 bi em cobre, mas Marabá ficou com apenas R$ 12,8 mi
Que a sociedade precisa discutir mais a importância de Marabá no cenário da mineração, isso é fato. E o foco precisa estar além do cobre do Salobo, embora esse metal seja o que careça maior atenção entre todas as commodities exportadas, já que ele sai rumo ao mundo, ninguém vê e pouca notícia se tem do durante e do depois. O antes se traduz nas maravilhas estatísticas que põem Marabá lá em cima, mas que, de forma concreta, estão muito distante da realidade da população local.
Acostumado a enfrentar a miríade de problemas sociais despejada pela vizinhança em sua estrutura urbana, exatamente por conta do crescimento populacional ocasionado pela atividade mineral em terras que um dia foram suas, Marabá está, a cada dia, caminhando para se tornar um município de base mineral.
De seu solo jorra água mineral e são minerados areia, cascalho, argila e saibro. E ainda tem um manganês de excelente qualidade, explotado pela Mineração Buritirama em larga escala e sobre qual pouco conhecimento se tem.
Esses bens minerais colocam Marabá no limiar entre o céu e o inferno. Céu porque é louvável dizer que a arrecadação de royalties de mineração por parte do município foi a que mais cresceu entre 2012 e 2013, considerando-se todos os 2.438 municípios mineradores do Brasil. O município saltou de R$ 4.158.292,24 arrecadados em 2012 (39º lugar) para R$ 20.788.805 em 2013 (13º lugar), tornando-se mais forte que muitas localidades tradicionais de Minas Gerais e mesmo do Pará, onde – neste último Estado – apenas Parauapebas e Canaã dos Carajás recolheram mais compensação.
Inferno porque, mesmo com esse salto de 400%, apenas R$ 12.763.712,63 entraram na conta-corrente da Prefeitura Municipal de Marabá a título de cota-parte. Na amplidão do horizonte, é um valor tão irrisório que deixa qualquer um sem graça, quando se tem de anunciar que as empresas mineradoras tiraram do solo de Marabá R$ 206.769.725,54 em minérios em 2012 e cinco vezes mais (R$ 1.045.468.233,45) em 2013. A Vale sozinha retirou do solo de Marabá R$ 967.401.873,30 em cobre, praticamente nove vezes mais em relação ao que extraiu em 2012 (um total de R$ 125.346.388,77).
O confronto entre o que a Vale lucrou com o cobre e o que o município de Marabá ganhou é penosamente estratosférico, com vitória arrebatadora para a empresa privada. Na moral da história, quem mais perde são os 251 mil habitantes atuais, que devem se ampliar para 260 mil até o último dia deste ano, nas estimativas oficiais, e ainda têm de conviver com gargalos despejados pelas zonas de “progresso”, como Parauapebas (sede do Projeto Ferro Carajás), Canaã dos Carajás (sede do Sossego e de S11D), Rondon do Pará (sede do Alumina Rondon) e Altamira (sede do canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte). Não se pode negar que, quando alguém adoece gravemente nesses lugares, pensa primeiramente em ir a Marabá, que também é sede de várias representações dos governos estadual e federal.
Para piorar o inferno astral, nem de muito longe os recursos produzidos apenas em Marabá chegam a sua população carente (seu “Joãozinho” ou dona “Mariazinha” que passam fome em algum lugar das 11 favelas nas quais se espremem cerca de 29 mil marabaenses). É duro, mas é verdade. Tão duro é compreender, processar e digerir a sina do metal mais ilustre de Marabá, o cobre, que amolecerá sorrisos e facilitará transações do outro lado do Atlântico.
PRODUTOS COBIÇADOS
Gringos de 27 países ficam loucos pelas benesses de Marabá
É verdade que o melhor ano de Marabá, no cenário econômico, foi 2008, quando o município atingiu seu primeiro – e único até o momento – bilhão de dólares em exportações (US$ 1.101.611.616), particularmente escorado em outro produto mineral, o manganês, extraído pela Buritirama. Depois desse ano, após a crise financeira mundial, a economia de Marabá foi derrubada, mas agora, mais de meia década após, dá sinais de franca recuperação.
Lá fora, Marabá está em alta. Em 2013, 27 países compraram produtos “in natura” daqui: cobre em concentrado, ferro fundido, carne bovina, soja, manganês e madeira. Os alemães vão ao delírio com a qualidade do cobre do Salobo, tanto que levaram, sozinhos, 49,24% do produto marabaense, que, lá fora, passou a ser mais valorizado que o cobre do Sossego, de Canaã – cada um com suas particularidades e utilidades. Os estadunidenses compraram 21,52% dos minérios (cobre e manganês) marabaenses e os poloneses levaram embora outros 12,84%. Russos, israelitas, chineses, honcongueses, mexicanos, suecos, ucranianos, venezuelanos, egípcios, espanhóis, franceses, líbios, cazaquistãos, colombianos, entre outros, também negociaram com industriais brasileiros para pegar um pouco da vasta gama de commodities da terrinha do “Filho da Mistura”.
Hoje, entre os 5.570 municípios brasileiros, Marabá é o de número 163 entre as economias. É mais rico que Palmas, capital do Tocantins. Se continuar como está, nos próximos dois anos, o município se verá no pelotão das 100 maiores praças financeiras, mas sem a ganância de Parauapebas, que não saberia se reproduzir sem a Vale e a indústria extrativa – algo que Marabá nem precisou aprender nesse seu um século de vida, obra e graça.
No entanto, como tudo tem suas dores, o potencial de Marabá cobiçado lá fora – e às vezes nem tão conhecido por seus empresários e administradores – muito pouco ou quase nada diz respeito a uma considerável parcela da população local, acostumada a ver a grandeza do município na mídia nacional medida em catástrofes naturais, como a enchente que anualmente tira centenas de casa, e em índices de violência, com a cidade sempre estampada entre primeira, terceira e quinta mais violenta do país.
A riqueza é grande. Os gargalos a vencer – para conciliar produção, desenvolvimento e igualdade social – são maiores, já que, conforme o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), Marabá está a meio caminho (2.716º) do “ruim”, embora se comporte como “mediano”, o que ilustra o verdadeiro disparate entre o que produz e o que é, de fato. Se é verdade que esses dados não podem ser justificativa de inércia e conformismo, é evidente também que Marabá tem muito a mostrar e extrair, basta a sociedade começar a fiscalizar a apropriação de seu patrimônio mineral. Há muita diferença a fazer.
Reportagem: André Santos