Dos 2.354 municípios exportadores do Brasil, ao longo de 2013, Parauapebas foi o que mais entregou riquezas ao mundo, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento. A “Capital do Minério” exportou mais de 10 bilhões de dólares (na verdade, 10.079.920.849 dólares), sendo que seus recursos minerais, extraídos e vendidos pela empresa Vale, representam 99,77% das exportações – o minério de ferro valeu 9,86 bilhões de dólares lá fora e o manganês, 193,7 milhões de dólares.
Esta não é a primeira vez em que, no balanço anual, Parauapebas surge como um dos maiores exportadores do país. Ocorre que, agora, o município alcançou o pódio, deixando para trás geradores de riquezas de peso e tradicionais cambistas, como as metrópoles mundiais São Paulo e Rio de Janeiro e as zonas portuárias Santos (SP), Angra dos Reis (RJ), Rio Grande (RS) e Paranaguá (PR).
A diferença entre Parauapebas e esses outros municípios está no traquejo como as negociações são conduzidas e nas reivindicações que suas comunidades fazem, já que não aceitam perder para o sistema e, por isso, são algumas das sociedades com os mais elevados níveis de qualidade de vida do país.
PARA ONDE VAI
Asiáticos são “tarados” pelo melhor minério do mundo
Quando se diz que, hoje, Parauapebas é o 25º município mais rico do Brasil, é preciso analisar como essa riqueza se processa, para onde ela vai e com quem, de fato ela, fica. O Produto Interno Bruto (PIB) da “Capital do Minério”, por exemplo, é apenas produzido (ou extraído) em seu espaço geográfico, mas vai fazer a diferença muito longe do Pará.
A primeira viagem é de 892 quilômetros, até São Luís, capital do Maranhão. A riqueza de Parauapebas vai embora, diariamente, pela Estrada de Ferro Carajás (EFC), cujo trem – em 330 vagões – leva a grana e traz malas cheias de dilemas e problemas sociais. Só em minério de ferro, nos 12 meses de 2013, a Vale levou de Parauapebas o suficiente para erguer 18 mil torres Eiffell, aquele megamonumento que é símbolo de Paris, capital francesa. No frigir dos ovos, o PIB de Parauapebas, que não fica em Parauapebas, é embarcado no porto da Madeira, no Maranhão, e de lá cruza oceanos para ser abocanhado, majoritariamente, pelos asiáticos.
Gulosos, os chineses sozinhos consomem 51,87% do minério de ferro de Parauapebas, commodity que é a estrela das exportações brasileiras. Espertos e milenares na arte “made in”, os chineses misturam o minério paraense com o deles (procedimento chamado blendagem) e, daí, revendem mais caro ou beneficiam.
Vizinhos de Pacífico e de olhos puxados dos sinos, os japoneses desfrutam de 10,35% do ferro parauapebense, cujo teor chega a ser de 67,2% de hematita pura, como é o caso do produto da mina de N5, que apresenta ainda excelente taxa de recuperação de 91,2%.
Em terceiro na fila para pegar o produto genuinamente parauapebense estão os sul-coreanos, que consomem 7,26% do minério exportado, disputando grama a grama com os alemães, que compram 7,15% do trunfo de Parauapebas. A lista ainda tem franceses, italianos e outros 20 interessados em comprar nem que seja o pó do melhor ferro do mundo, que, algum tempo depois, retorna ao Pará disfarçado em artigos com nem tanto luxo, mas que, ainda assim, custam “o olho da cara”.
E assim, o PIB vai embora de Parauapebas, embora o município só leve alguma vantagem ou nome nas estatísticas oficiais por ser o local de produção. Ao menos isso, para servir de consolo.
O outro consolo são os royalties pagos como compensação pela extração mineral e com os quais a Prefeitura Municipal de Parauapebas foi agraciada no valor de R$ 450.805.592,51. Esses mais de 450 milhões de reais seriam, em tese, suficientes para fazer uma verdadeira revolução no município e torná-lo digno do título de “Capital do Minério”.
Na prática, porém, o que se visualiza é uma violência contra os recursos naturais que há décadas vem sendo praticada e que, silenciosamente, gerou todas as demais formas de violência com que, atualmente, Parauapebas é assolado.
CONTRADIÇÕES
Quem mais exportou foi o 2º que mais demitiu. Como?
Contraditoriamente, o município que mais exportou em 2013 é, também, o segundo que mais desempregou. E como pode isso? Simples: depois do comércio e do serviço público, a mineração é a atividade que mais emprega em Parauapebas. Em 2013, com a desmobilização de frentes de trabalho no setor e o encerramento de contratos entre a Vale e empreiteiras, muita gente foi parar na rua. Essas demissões fazem o município perder recursos, e muito, devido à falta de circulação de capital produzido pela massa salarial.
Imediatamente, o comércio sente as dores, visto que – como, em Parauapebas, tudo gira em torno de minérios – com menos gente empregada, menos dinheiro se terá para comprar e movimentar o potencial de consumo. Aí, o setor de serviços passa a demitir porque comerciante algum vai segurar funcionário no emprego se não entra dinheiro no caixa sequer para pagamento de consumos básicos.
Nessa confusão toda, Parauapebas apresentou o pior saldo de sua história no estoque de empregos, com 5.795 desligamentos. Em 2012, ao contrário, foram incrementados mais 4.068 trabalhadores. A ascensão do projeto S11D, em Canaã dos Carajás, que, no pico das obras, precisará de 5.271 trabalhadores, mascarou um pouco a crise em Parauapebas, já que milhares de trabalhadores se mudaram – e ainda estão se mudando – para a “Terra Prometida” e outros que trabalham lá residem em Parauapebas, que está com todo fôlego para se tornar uma mera cidade-dormitório de Canaã quando as minas de Serra Norte forem exauridas.
Mas como Parauapebas demitiu tanto e se manteve o maior exportador? Simples. Com a revolução tecnológica que chegou à indústria extrativa, notadamente a partir dos anos de 1990 e 2000, as máquinas passaram a fazer o trabalho de dezenas de homens. Então, em muitos casos, demitir significa reduzir custos, já que retroescavadeiras, caminhões fora de estrada, robôs e supercomputadores fazem o serviço “braçal” e até “intelectual” de humanos. A produção não pode parar.
Por outro lado, mais desempregados nas ruas elevam as estatísticas de criminalidade e acentuam as desigualdades sociais, com o aumento de mazelas (fome, sede, doenças, ocupação irregular, entre outros). É um típico modelo desleal de pobreza financiada pela riqueza – esta útil somente aos gringos espertos e às grandes companhias.
Alheio e adormecido a tudo o que acontece em seu seio, Parauapebas teve o melhor saldo na balança comercial do país, com “lucro” de 9.890.968.681 dólares. O segundo colocado na balança, Rio Grande, teve apenas metade desse saldo, 4.931.762.441 dólares. Todos esses valores – quase impronunciáveis – não dizem muita coisa ao cidadão comum, que dá duro ou que acabou de ser demitido. E não poderia ser diferente, se até o próprio município, em sua totalidade, desconhece o valor que tem.
Reportagem: André Santos