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“A única coisa que ela queria era encontrar alguém e ser feliz”, diz mãe de jovem de Parauapebas assassinada em Porto Alegre

Há cinco meses, quase diariamente, Francisca da Silva Rocha, 48 anos, sai de casa, em Parauapebas, a 706 quilômetros de Belém, no Pará, para cumprir o mesmo percurso: seguir até o Cemitério Jardim da Saudade. Ali permanece por horas, junto à sepultura da filha Laila Vitória Rocha Oliveira, 20 anos. Rega com zelo as flores, acende velas e quebra o silêncio, deixando tocar as músicas favoritas da jovem. A primogênita, de cabelos escuros e sorriso largo, adorava dançar. Vaidosa, cuidava de si mesmo e da mãe.

Determinada a dar um futuro aos filhos, Francisca, que mantém um comércio na cidade, só exigia que Laila e o irmão caçula se comprometessem a concluir os estudos. A jovem estava cursando o Ensino Médio. A mãe sonhava que a filha conquistasse no futuro a própria profissão e se tornasse uma mulher independente, sem depender dos outros.

Quando Laila tentou convencer a mãe no início deste ano a viajar para Porto Alegre, para passar alguns dias com o namorado, a mãe não gostou da ideia, mas acabou cedendo. Os temores se concretizaram cerca de dois meses depois: a filha foi vítima de feminicídio.

No dia 26 de março, Francisca recebeu em casa a visita de policiais de Parauapebas. A filha havia sido encontrada morta um dia antes dentro da casa do namorado, André Ávila Fonseca, 37 anos, no Bairro Lomba do Pinheiro, na zona leste de Porto Alegre. Laila foi atingida por golpes com um uso de uma faca longa, semelhante a uma espada, e depois teve o corpo arremessado numa lareira. Nas redes sociais, o homem usava o nome de Victor Samedi e se apresentava como “mestre bruxo”. Na realidade, cumpria pena com uso de tornozeleira eletrônica por tentar matar três pessoas, entre elas dois policiais militares.

Quando Laila tentou convencer a mãe a deixá-la viajar para Porto Alegre, a jovem relatou ter conhecido Victor em Parauapebas, mas a família não acredita que ele tenha estado no Pará. Os dois teriam se conhecido por meio das redes sociais.

— Minha filha, mamãe não está gostando de ir para tão longe — respondeu Francisca.

Para que a mãe se convencesse, Laila disse que o namorado faria uma ligação pedindo autorização. O homem fez uma chamada em vídeo, onde teceu elogios à mãe, a quem chamou de “minha sogra”, e insistiu para que ela deixasse a jovem fazer a viagem.

— Quero pedir permissão para a Laila passar uns dias aqui — teria dito.

— Por mim, ela não vai. Nunca viajou para longe. Sempre esteve perto de mim — a mãe insistiu.

Mesmo contrariada, Francisca cedeu aos pedidos de Laila, e permitiu que ela viajasse. De avião, no aeroporto Carajás, a jovem embarcou em direção a Porto Alegre, com a promessa de que regressaria em 15 dias. As semanas foram se passando e isso não se cumpria. Por telefone, a mãe conversava com a filha e, aos poucos, passou a desconfiar do comportamento dela. Nas chamadas de vídeo, a jovem evitava mostrar o rosto, e passou a falar com a mãe só de costas.

— Toda vez que eu falava com a Laila ficava com meu coração apertado. Eu pedia: venha embora minha filha. Ela não precisava, não tinha necessidade de ir para aí. Ela tinha a vida dela aqui, tinha amigos, casa dela, família dela. A casa dela, quarto dela, tudo. Eu não sabia o que estava acontecendo. Ele estava batendo na minha filha — conclui a mãe, que acredita que ela tenha sido ameaçada para não pedir ajuda.

No fim de março, Laila disse mais uma vez que retornaria para casa e que o relacionamento não dava mais certo, pois o namorado “tinha gênio muito forte”. Horas antes do crime, foi a última vez em que a mãe conversou com a filha. Na mesma noite, a jovem foi assassinada. Quando policiais chegaram na casa, após vizinhos ouvirem gritos, ela foi localizada já sem vida. O corpo de Laila retornou ao Pará após mobilização e auxílio de pessoas próximas à família, para custear o translado.

Tenho sofrido. Estou doente dos nervos. É muito difícil. Minha filha estava com 20 anos. Esperava outra coisa para minha filha. Não esperava hoje estar indo para o cemitério. Estar lá conversando com a minha filha. É muito doloroso. Parece que estou vivendo um pesadelo, que não isso não aconteceu. A minha filha era uma menina boa. Nunca fez mal a ninguém. Laila nunca se envolveu com nada errado. O erro dela foi ter acreditado nesse monstro. Se deixou levar por ele, acreditou nele. E ele fez o que fez com a minha filha — desabafa a mãe.

Francisca diz que algumas vezes a jovem chegou a dizer para a mãe que o namorado tinha “estátuas estranhas” em casa, mas que nunca mencionou qualquer envolvimento dele com algum tipo de religião. Nas redes sociais, ele se apresentava como Victor Samedi. O homem teria começado a estudar ocultismo e satanismo ainda aos 15 anos e, depois, criado a própria religião, angariando seguidores na internet.

Na residência dele, a polícia encontrou facas, espadas, espécies de machados, castiçal, caveira, estátuas e máscaras. Ainda que esse tenha sido o cenário do crime, a investigação descartou que Laila possa ter sido morta em algum tipo de ritual.

Esse negócio dele dizer que é bruxo ela não sabia, e nem sabia que ele era presidiário — acredita a mãe, embora o homem divulgasse seus trabalhos como “mestre bruxo” abertamente.

 

Recordações

Em casa, onde a filha também vivia na localidade de Palmares, a mãe se apega nas lembranças. Laila era uma jovem alegre, cheia de vida, que gostava de se maquiar, cantar e dançar. Era ela quem cuidava dos cabelos da mãe e escolhia roupas parecidas para as duas saírem juntas. Como sofria com diabetes, a jovem precisava ter cuidados com alimentação e fazia uso de insulina.

Quando ela saía com as amigas, eu não dormia enquanto ela não chegava. Pedia: minha filha, tenha cuidado. Ela foi muito ingênua, acreditou demais. O erro foi esse. Ela não tinha maldade na cabeça. Sempre ensinei não acreditar no estranho. A gente vê sempre acontecendo coisas horríveis. Ela dizia: mãe, a senhora é muito desconfiada. O coração de mãe não se engana — recorda a mãe.

Em casa, Laila deixou a cachorrinha Maya, por quem era apaixonada. Quando telefonava para a mãe, logo perguntava “como minha filha está?”. Francisca é quem cuida da pincher, que está prestes a ter filhotes. Uma das imagens nas quais a jovem aparece sorrindo ao lado do animal de estimação foi usada nas camisetas de protesto pelo assassinato de Laila. A jovem deveria ter completado 21 anos no mês de abril.

 

É um pedaço da gente que vai embora. Sinto saudades demais. Na hora que eu me pergunto tanto por que fazer isso? A minha filha nunca fez mal. A única coisa que ela queria era encontrar alguém e ser feliz. Isso não é pedir muito. Sabe lá Deus o que ele fazia com a minha filha. Ele tem que pagar. Porque foi muita maldade. Foi muita maldade o que ele fez com a minha filha. Eu vivo porque ainda tenho um filho pra criar — desabafa a mãe.

O caso
Fonseca foi preso dias após o corpo de Laila ser encontrado. Atualmente, ele é réu pelo crime e continua detido de forma preventiva. No dia 15 de setembro, está prevista a primeira audiência do processo, na qual devem ser ouvidas as 12 testemunhas de acusação. Quando foi interrogado na polícia, o homem admitiu a morte, mas alegou legítima defesa. Ele afirmou ter sido atacado pela namorada com uma espada.

Contraponto
O advogado Jean Maicon Kruse, que representa o réu no processo, enviou nota na última sexta-feira (25) qual afirma que a defesa busca obter a liberdade provisória do réu. Confira a nota abaixo na íntegra:

“Nota à Imprensa

Em data de 10 de agosto do ano de 2023 a defesa do assistido fora intimada quanto a decisão tomada pelo juízo da 4ª Vara do Júri do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS, que manteve a prisão preventiva do acusado. Que, contudo, entendemos que a manutenção da prisão cautelar representa grave violação dos direitos do acusado, que merece responder ao processo em liberdade, nos moldes que a própria lei lhe faculta tal direito. A necessidade da prisão deve ser muito bem fundamentada e especificada a obrigação de restringir o jus libertatis, sem resultar em antecipação de pena e em consequência, confrontar com o princípio constitucional da presunção de inocência. Com base no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República, que preceitua que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” entendemos que o direito de responder uma acusação em liberdade é regra e não exceção. Não se pode antecipar um juízo de culpabilidade, uma vez que tal situação confronta com o princípio constitucional de presunção de inocência. Entendemos ser absolutamente imprópria a manutenção da prisão preventiva do acusado, vez que não existem nos autos do processo a fundamentação necessária a impossibilitar aplicação de medidas alternativas a prisão antecipada do cliente. A defesa do acusado estuda ingressar nas próximas horas com um pedido de habeas corpus junto ao Tribunal de justiça Do Estado do Rio Grande do Sul, objetivando a concessão de liberdade provisória, com a expedição de alvará de soltura em favor do assistido”.

Reportagem: Letícia Mendes | Gaúcha ZH

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