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Barragem do Gelado já aumentou três vezes

A barragem do Gelado é uma das maiores da mineradora Vale no Estado. Lá vivem 123 famílias com permissão do governo federal para morar e cultivar a terra. (Akira Onuma / O Liberal)

“De sexta-feira (25 de janeiro, dia do acidente em Brumadinho) para cá, minha cabeça praticamente virou. Agora só penso em ir embora daqui. O cara, quando está com a cabeça igual à minha, apreensivo, não dorme. Nunca pensei em ir embora daqui. Mas, agora, meu pensamento é ir embora”. O depoimento é do lavrador Gervásio Gomes dos Santos, que tem 74 anos e mora na área há 30.

Ele reside a 500 metros da barragem do Gelado, da Vale. O lavrador mora na Área de Proteção Ambiental (APA) do Gelado, distante 50 quilômetros de Parauapebas, sudeste paraense. Na APA, há uma das maiores barragens da mineradora no Estado. Lá, vivem 123 famílias com permissão do governo federal para morar e cultivar a terra.

O lavrador mora com a esposa, Diosanta Vieira dos Santos, de 68 anos, e a neta, de 16. Seus oito filhos residem em Parauapebas, distante 70 km de Canaã. “Não durmo bem à noite. Fico com medo de acontecer comigo o que aconteceu com aquele pessoal lá (em Brumadinho), que, até hoje, não tiraram os corpos”, contou. “Se acontecer (o rompimento da barragem), sou o primeiro (a ser atingido), pois estou a 500 metros da barragem. A barragem quebrando, vem todinho até aqui”, afirmou.

“Se acontecer (o rompimento da estrutura), sou o primeiro (a ser atingido), pois estou a 500 metros da barragem”, lamenta Gervásio Gomes

“Tenho aqui galinha, gado, cavalo. E o mais interessante: a minha vida, da minha esposa e da minha neta”, disse.

Mais conhecido como Dério, um apelido de juventude, ele contou que a vida era tranquila em seu sítio. Isso até a tragédia em Brumadinho. “Até sexta-feira, gostava de morar aqui. Comprei essa terra baratinho. Agora, estou apreensivo e preocupado demais”, disse. Antes, ele acordava às seis da manhã e ia cuidar da roça. “Antes de Mariana, não ficava preocupado. Achava que barragem era segura”, disse. Sobre o acidente em Brumadinho, ele comentou: “Fiquei com pena. Correu água do olho. E olha que não tenho parentes lá”.

Gervasio e Diosanta tinham vida tranquila até as tragédias de Mariana e Brumadinho
Gervasio e Diosanta tinham vida tranquila até as tragédias de Mariana e Brumadinho (Akira Onuma / O Liberal)

 

Seus filhos querem que eles deixem o sítio e sigam para morar em Parauapebas. Na quinta-feira, 31 de janeiro, o lavrador recebeu mensagem de um irmão que mora perto de Marabá. “Ele disse para eu ficar veaco, que poderia acontecer comigo o que aconteceu com eles lá”, disse.

Ele lembrou que só era mata quando chegou à área. E que só deixará sua propriedade se a Vale indenizá-lo. Seu Dério disse que a barragem chegou primeiro que ele. Mas que, desde então, a empresa já aumentou esse empreendimento três vezes.

ALERTA NA BARRAGEM DO GELADO

Sirenes são instaladas em pontos estratégicos. Em novembro do ano passado a comunidade participou da simulação de um acidente, realizada pela Vale. Os moradores receberam informações sobre como agir quando a sirene fosse acionada. No mesmo mês, a Vale instalou sirenes na APA do Gelado, com o objetivo de alertar a comunidade em caso de emergências.

“TODOS OS VIZINHOS ESTÃO PREOCUPADOS”

Na manhã de quinta-feira, 31 de janeiro, a reportagem encontrou o produtor rural Raimundo Nonato de Souza, de 67 anos tomando banho e lavando roupas em uma nascente em sua propriedade, na Área de Proteção Ambiental (APA) do Gelado. Uma convivência tranquila com a natureza. Ele mora nessa área há 25 anos. E, na terra, planta mandioca, feijão, pupunha e açaí. A produção é vendida, aos sábados, na feira do produtor, em Parauapebas.

Ele contou que as pessoas viviam tranquilas. Mas que isso mudou após o acidente em Mariana, há três anos. “Depois de Mariana, começou a dar um medozinho”, disse. A apreensão aumentou bastante com a tragédia em Brumadinho. “Agora, ficamos mais preocupados. Moro a um quilômetro da barragem. Todos os meus vizinhos estão preocupados”.

“Quando atinge um, a gente não fica satisfeito. É vida, né? A gente fica preocupado com os acidentes que estão ocorrendo”, afirmou Raimundo Nonato. “E outra: dinheiro não paga vida. Você vê em Brumadinho o tanto de gente que tem debaixo da terra e juntando urubu por cima, porque não tem mais condição de tirar (os corpos)”.

Raimundo disse que sua terra é “muito boa” e que ele já está “estruturado”. E acrescentou: “Tenho tudo aqui. Não quero sair. Só se a Vale me indenizar. Não posso largar o que é meu”. Ele contou que, depois do acidente em Mariana, há três anos, há sirenes instaladas em vários pontos da APA do Gelado. Mas, para Raimundo, os moradores, em caso de acidente, deveriam ser avisados com bastante antecedência. “Se avisar 15 minutos antes, só dá tempo de pegar o calção. Imagina se for à noite”, disse ele, que é pai de dez filhos.

Raimundo Nonato de Sousa mora na APA do Gelado há 25 anos e diz que a apreensão dos moradores do lugar aumentou bastante depois do episódio de BrumadinhoRaimundo Nonato de Sousa mora na APA do Gelado há 25 anos e diz que a apreensão dos moradores do lugar aumentou bastante depois do episódio de Brumadinho (Akira Onuma / O Liberal)

 

Se a sirene tocar, os moradores devem ir para uma parte mais alta. “E se não der tempo de chegar lá?”, questionou. Seu Raimundo disse que, perto dele, moram cinco famílias – todos parentes entre si. Segundo os moradores, há dois caminhos para chegar à APA. Um deles é controlado pela Vale, pois fica na propriedade da empresa. No outro, que a mineradora construiu há uns oito anos para o acesso dos moradores, percorre-se um trecho no asfalto. E, depois, por estradas vicinais de chão batido. No total, em torno de uma hora e meia de carro saindo de Parauapebas.

VALE ESCLARECE QUESTÕES SOBRE EMPREENDIMENTOS

Em nota enviada à redação, a Vale informa que “as barragens estão em conformidade não apenas com a legislação ambiental brasileira, mas, seguem, também os mais altos padrões internacionais de segurança. No Estado do Pará, todas as barragens da Vale têm modelo de construção diferente da barragem da Mina Córrego Feijão, em Brumadinho.” “Nenhuma barragem da Vale no Pará tem categoria de risco alto. A barragem do Sossego e da Apa do Gelado são classificadas de baixo risco, conforme norma da Agência Nacional de Mineração (ANM).”

“São realizados monitoramentos e inspeções periódicas em todas as estruturas que se enquadram na Política Nacional de Segurança de Barragens. A empresa montou ainda um grupo de trabalho que apresentará um plano para elevar o padrão de segurança das barragens da empresa. O objetivo é superar os parâmetros mais rigorosos existentes hoje no Brasil e no mundo. Essa semana, a empresa anunciou o descomissionamento de todas as suas barragens a montante mesmo modelo da mina em Brumadinho, todas em Minas Gerais.”

“A Vale reforça que tem uma equipe dedicada ao relacionamento com as comunidades situadas no entorno de suas operações e vem reunindo, por meio de Comitês, buscando manter o diálogo contínuo com os moradores.” “Conforme cadastrado no Sistema de Gestão Integrado de Barragens, a barragem do Gelado tem volume atual de 110,4 milhões m³ e começou a operar, em 1986”, informa a Vale, ao ressaltar que nunca houve rompimento da barragem em questão e que as normas de segurança seguem a Portaria DNPM 70.389/2017.

Sobre a Mina do Sossego, a Vale “esclarece que a atividade de detonação ocorre obedecendo todos os parâmetros técnicos e normas que regulamentam a atividade, para que não haja riscos como rachaduras, garantindo a segurança da comunidade nas proximidades. A empresa informa ainda que mantém um Comitê com a comunidade da Vila Bom Jesus com reuniões periódicas e diálogo permanente”.

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