Ontem, dia Sete de Setembro, data em que o Brasil celebrou 193 anos de independência da Coroa Portuguesa, após suposto grito de “independência ou morte” de Dom Pedro I, às margens do riacho do Ipiranga, Estado de São Paulo. Da dependência do Brasil em relação às ordens da Europa, há dois séculos, para a dependência crônica de Parauapebas em relação à mineradora multinacional Vale atualmente, pouca coisa mudou – e, em verdade, só o modo de operação, com uma maquiada tecnológica aqui e acolá na tática de exploração.
Há pelo menos 24 anos, o dia 7 de cada mês é um dos mais aguardados pela Prefeitura Municipal de Parauapebas por motivo nada independente: nesse dia, a conta amanhece abastecida com a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), os royalties que a mineradora Vale é obrigada a pagar, por força da Constituição de 1988. A Cfem foi regulamentada, de fato, pelas leis 7.990, de 1989, e 8.001, de 1990, e enfatizada pelo primeiro decreto presidencial assinado no ano de 1991.
Desde 1991, a mineradora Vale compensa o município de Parauapebas em valores variáveis, que, primeiramente, vão parar na conta do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Com o dinheiro em mãos, o DNPM, órgão do Governo Federal, tira logo sua parte, de 12%, que será rateada em 2% para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e outros 2% para o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Em seguida, a conta administrada pelo governador Simão Jatene, no Palácio dos Despachos, em Belém, recebe do DNPM 23% dos royalties recolhidos em Parauapebas. É a parte que cabe ao Estado onde o município produtor de minério se localiza.
Por último, geralmente no dia 7 ou 6, caem os 65% de cota-parte devidos ao município de Parauapebas, sociedade mais interessada nisso tudo – ao menos, teoricamente.
Muito desejados tempos atrás, os royalties já não são mais motivo de orgulho e prazer. Num passado não muito distante, o dia 7 era sinônimo de conta abarrotada para a prefeitura local porque os royalties eram a principal fonte de recursos. De certa forma, era vantajoso e atrativo para o município ser economicamente dependente do minério.
Porém, como cantaria Nelson Ned, se vivo estivesse, num de seus clássicos de 1969: “Mas tudo passa tudo, passará; e nada fica, nada ficará”. E, em 2015, os royalties chegaram a seus valores mais críticos dos últimos 5 anos, mesmo com a extração de minérios tendo aumentado quase 20% no período, saltando de 101,17 milhões de toneladas (Mt) em 2010 para 119,66 Mt em 2014.
A selvageria na produção de minério de ferro pelas maiores mineradoras do mundo e a desaceleração da demanda China, maior compradora do globo, derrubaram os preços da commodity, e isso afetou diretamente a economia parauapebense, extremamente dependente num 7 de Setembro de “independência”.
FONTE QUASE SECA
O município de Parauapebas, grande locomotiva da economia paraense em razão da indústria extrativa de minério de ferro, está desacelerando, quase parando. A cada dia de 2015, as estatísticas econômicas para a “Capital do Minério” são as piores possíveis.
O mês de agosto, encerrado há 7 dias, entrou para a história como o do desgosto nas finanças municipais: os royalties de mineração chegaram ao menor valor desde junho de 2010. O impacto disso é catastrófico para todos os seus habitantes.
Em agosto, a conta-corrente da Prefeitura Municipal de Parauapebas recebeu como mesada “míseros” R$ 7.250.086,39. O menor valor antes desse, recebido em junho de cinco anos atrás, foi de R$ 5.889.328,09. Na prática, à medida que a arrecadação de royalties volta no tempo, as demandas sociais aumentam e terão de ser, impiedosamente, empurradas com a barriga, à espera de bons tempos ou de se contar com a sorte.
Em 2010, quando a arrecadação média mensal era de R$ 11,5 milhões, a população municipal era de 154 mil habitantes. De lá para cá, Parauapebas ganhou 36 mil novos moradores (praticamente um Canaã dos Carajás inteiro de gente para afogar ainda mais a demanda por serviços sociais básicos), mas se vê às voltas com uma arrecadação média de R$ 12,4 milhões. Proporcionalmente, o recolhimento médio da Cfem não acompanhou a evolução populacional.
Na comparação com 2011, 2012, 2013 e 2014, o ano atual se mostra um verdadeiro retrocesso financeiro para Parauapebas.
Ontem, 7 de Setembro, Parauapebas recebeu R$ 11.448.358,13. No acumulado do ano, são R$ 111.363.657,16 recolhidos pela prefeitura. Só que esse valor é “mixaria” perto dos R$ 128.023.565,36 recolhidos apenas no mês de fevereiro de 2013, denotando o quanto o município vem remando contra a maré.
O município deve encerrar este ano com R$ 148,5 milhões de royalties recolhidos, o menor valor – até então – da década.
A CARA DA POBREZA
A população parauapebense está pelo fio da navalha, isto é, a cada dia ficando mais falida e endividada, revelam dados de uma pesquisa do Serasa Experian, por meio de seu mapa da inadimplência. Entre os municípios da região, Parauapebas lidera em quantidade de pessoas com o nome “sujo”, aquelas que deixaram de pagar as contas em dia.
Uma lida atenta nos editais publicados em jornais impressos locais, e são contabilizados dezenas de nomes de pessoas que devem terrenos comprados em prestações a perder de vista. Há casos em que uma mesma pessoa deve, em seu CPF, dois, três, quatro terrenos e é citada por inadimplência. É uma exposição ao ridículo desnecessária, mas vá dizer isso às imobiliárias gananciosas, que movimentaram a expectativa de milhares de pessoas, as quais meteram a cara na compra de lotes para abrir “negócios” e creram, inadvertida e piamente, que a multiplicação de quitinetes Parauapebas adentro seria uma fonte de renda sustentável – perspectiva que começou a ser frustrada em 2013 e, de maneira mais severa, a partir de 2014.
À medida que se endivida, a população parauapebense se atola em impostos: do primeiro dia deste ano até ontem (7), R$ 390 milhões pagos, quantia com a qual seria possível construir mais de 11.135 casas de 40 metros quadrados cada, conforme informa o portal do Impostômetro.
Além das dívidas na praça e de mais e mais contas (leia-se: impostos) a pagar, a população de Parauapebas vai perdendo emprego, e o município bate todas as taxas da região em índice de desocupados. De antiga “terra do trabalho”, Parauapebas vai se tornando terra de desempregados, cuja consequência mais imediata é a elevação de todos os indicadores de violência. Não à toa, vem figurando, desde 2010, como um dos municípios mais assassinos do Pará, poucas mortes atrás de Ananindeua, Marabá e Altamira. Também é um “centro próspero” de ladrões e de “dois na moto preta”, que geralmente atacam à noite para tomar celular e o que mais o cidadão tiver, inclusive a dignidade.
Essa é apenas uma das características de empobrecimento de um município tão rico em recursos naturais e que, por isso, tem todos os ingredientes para ser independente e autossustentável. Mas jamais encontrou o caminho, a não ser o das pedras não preciosas.
Reportagem especial: André Santos – Colaborador do Portal Pebinha de Açúcar