É muito grave o desfecho que pode ter o sonho da tão aguardada siderúrgica em Marabá, para cujo empreendimento as classes políticas e empresariais do Pará estão mobilizadas. No embalo da fofoca de implantação da indústria, a sociedade, mais uma vez, nutriu-se de ilusão diante da expectativa de, pelo menos, 20.000 empregos na fase de implantação, além de 2.500 postos na etapa de operação e até 8.000 oportunidades na cadeia indireta de produção de aço.
Informações obtidas com exclusividade pela reportagem junto a fontes seguras no Rio de Janeiro dão conta de que o grupo argelino Cevital está a um passo de desistir de implantar sua siderúrgica, em razão de diferenças comerciais com a mineradora multinacional Vale.
A Vale se comprometeu em dar o suporte necessário à Cevital, inclusive doou sua área onde um dia pretendeu erguer a natimorta Aços Laminados do Pará (Alpa), mas isso não tem sido o bastante para as pretensões da Cevital, que quer aproveitar-se da abundância do melhor minério de ferro do mundo para, de cara, desejar no mercado anualmente 3,5 milhões de toneladas (Mt) de bobinas de aço, ferro-gusa, “biletts” e “blooms”, e fazer de Marabá o maior fornecedor de trilhos para estrada de ferro da América Latina. E é aí, na vaidade dos números, que começa a confusão.
Foi só “capa”, ao que parece, o tal “protocolo de intenções” que o Governo do Pará, a Vale e a Cevital assinaram no dia 4 de março do ano passado para embasar o projeto de implementação da siderúrgica. Naquele dia, a Vale colocou à disposição da Cevital, além de cooperação técnica, todos os estudos e projetos elaborados até então, as licenças ambientais, a transferência do terreno de sua propriedade que seria destinado à Alpa e a cereja do bolo: suprimento de minério de ferro e serviços logísticos para dar vida ao empreendimento.
A imprensa republicou à época textualmente uma fala do presidente da Vale, Murilo Ferreira, segundo quem a multinacional iria ceder tudo sem ônus à Cevital. “A mineradora está muito satisfeita em manter esse entendimento mútuo com o Governo do Estado e quer continuar a dar a sua contribuição para que esse grande empreendimento, importante para a região, se torne perene e reduza as disparidades sociais”, teria dito Ferreira na ocasião.
Mas, nos bastidores, a relação entre a Vale e a Cevital não é das melhores, e já há quem peça divórcio antes mesmo do noivado acontecer.
XIS DA QUESTÃO
Inicialmente, a Cevital pensou — e até fez divulgar na imprensa — uma produção anual de aço de 2,7 Mt para a siderúrgica. Porém, os argelinos cresceram os olhos e querem mais de Carajás.
Matematicamente, para a Cevital produzir 2,7 Mt de aço conforme suas pretensões, a Vale teria de lhe repassar 4,5 Mt de minério de ferro por ano. Até aí, tudo bem. A mineradora se comprometeu em “dar” o minério a custo de fábrica. Vale lembrar que as minas de ferro que iriam abastecer a Cevital são as de menor custo do globo — as das serras Norte (Parauapebas) e Leste (Curionópolis) produzem a tonelada de minério por 13,20 dólares e em Serra Sul (Canaã dos Carajás) a produção é prevista para chegar a 7,70 dólares.
Só que a Cevital quer, agora, produzir 3,5 Mt de aço, para o que são necessárias 7 Mt de minério. É como se a mina de Serra Leste tivesse de trabalhar o ano inteiro para atender apenas a Cevital, que compraria o melhor produto do mundo, com 67% de hematita, pela liquidação de 13,20 dólares — enquanto nas demais relações comerciais a Vale vende o produto por 82,01 dólares (cotação da tonelada na terça-feira da última semana, 28 de março) e ainda ganha bônus de, no mínimo, 10 dólares em contratos futuros pelo excepcional teor da commodity do Sistema Norte.
Na prática, ao atender aos pedidos da Cevital, a Vale perde cerca de 200 milhões de dólares — efetuando-se cálculos simples, de boteco, entre tonelagem e cotação de preços envolvidas. Justamente por se tratar de especulação que tem milhões em jogo, nenhuma das empresas aceita ceder.
Nota da Vale
Em nota, a Vale esclarece que “no Memorando de Entendimento assinado com a Cevital Groupe, em março de 2016, foi estabelecida uma cláusula padrão de confidencialidade, o que não permite aos envolvidos comentarem sobre valores contratuais de preços de minério e de transporte.
A Vale reitera, contudo, o seu esforço conjunto com o Governo do Pará e a Cevital para a atração de novos empreendimentos para Marabá e região, que fomentem a cadeia produtiva da mineração em condições competitivas. A Vale acredita que o empenho de todos os partícipes é fundamental para a plena realização desse importante empreendimento”.
A Cevital também foi procurada, mas não enviou nota à Redação até o fechamento desta edição.
O QUE ESPERAR?
Novo presidente da Vale pode decidir rumos da siderúrgica
Segundo consta, o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia, Adnan Demachki, está para furar a sola do sapato de tanto viajar ao Rio de Janeiro, para tentar sensibilizar os chefões da Vale, e a Brasília, para buscar ajuda junto a ministros no sentido de deliberar o que for necessário para que a siderúrgica não tarde muito menos falhe. Somam-se aos esforços de Demachki os suores de lideranças de Marabá, que não veem a hora de o primeiro baldrame da obra começar a ser erguido.
Durante a etapa da construção do empreendimento, a siderúrgica teria capacidade de absorver 50% dos atuais 40.000 desempregados de Marabá, que ganhou 10.000 apenas nos últimos três anos. Será?
No meio de tanto desejo e sonho, está o impasse. A Vale se diz disposta a doar toda a estrutura da sepultada Alpa a preço de banana. Não porque é boazinha, mas, sim, em razão de pressão da sociedade marabaense e do Governo do Estado, junto ao qual a mineradora pleiteia incentivos fiscais para continuar sendo a rainha do Pará, detentora de esmagadora fatia do Produto Interno Bruto (PIB) estadual e a toda-poderosa do mercado transoceânicos do minério de ferro, com o melhor produto do mundo.
Já a Cevital — que está se associando ao grupo sul-coreano Posco (nada mais, nada menos, o terceiro maior produtor de aço do globo) e, talvez, por este esteja sendo teleguiada — coloca suas cartas sobre a mesa e diz que só encara Marabá com o favorecimento de insumos e logística, entre os quais reduzir o frete do aço via Estrada de Ferro Carajás (EFC) oferecido pela Vale de 45 dólares para 5 — o custo normal seria de 55 dólares, ou seja, a Vale está disposta a quebrar o preço em 10 dólares.
Murilo Ferreira, por seu turno, alega que, se a Cevital quiser minério além do compromisso feito pela empresa, terá de comprar a preço de mercado, isto é, sete vezes a mais que o custo de fábrica, e aceitar o preço do frete. O grupo argelino justifica ser inviável.
Esse balaio de gatos, em que manda quem pode e obedece quem tem juízo, deve parar no colo do novo presidente da mineradora, o engenheiro de produção Fabio Schvartsman, eleito pelo Conselho de Administração da multinacional na segunda (27) e que vai tomar posse no final de maio. Schvartsman é quem deve decidir os rumos da negociação. Inclusive, estarão em sua canetada as concessões para a vinda (ou não) da siderúrgica.
Em julho, quando a Cevital detiver os estudos de viabilidade técnico-financeira do projeto, deve sair o veredicto de se e quando os argelinos vão construir o empreendimento. Até lá, muito disse-me-disse de bastidor vai rolar. E até lá, também, a população de Marabá vai continuar sonhando com uma grande obra que gere emprego e renda, mas vivendo o pesadelo das demissões mensais contabilizadas pelo drama estatístico da vida real. (André Santos)
“Dilema está no porto”, diz secretário de Estado
Em entrevista exclusiva ao Jornal CORREIO no início da noite desta segunda-feira, 3, o secretário de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia, Adnan Demachki, disse que a informação divulgada acima não procede porque, segundo ele, não há impasse nas negociações sobre o preço do minério e nem na logística para escoar a produção da Cevital. “Há muitos itens pelos quais lutamos, e esse é um dos que estamos tentando superar”, reconheceu Adnan.
O titular da Sedeme, que atua como moderador nas negociações entre a Vale e a Cevital, diz em uma das reuniões do grupo de trabalho, a Vale se comprometeu a vender a preços competitivos 4,5 milhões de toneladas de minério de ferro e ambas as empresas assinaram um documento para garantir essa negociação.
Posteriormente, a Cevital contratou a engenharia da Posco, que elaborou um projeto básico a partir do que havia sido produzido pela Vale e fez adaptações. A Posco verificou que para ter certo equilíbrio, a Cevital precisaria ampliar seu leque de produtos e aumentar o consumo de minério, saindo de 4,5 milhões de toneladas para 5,7 milhões de toneladas. E é nesse aumento de 1,2 milhão de tonelada que há um impasse entre as duas empresas, segundo Adnan.
Demachki afirma que no assunto transporte pela Estrada de Ferro Carajás, as diferenças foram pacificadas entre Vale e a empresa argelina, mas sem revelar o preço acordado. A proposta é a Cevital colocar novo comboio de vagões para atender sua demanda. “O problema está no porto. Lá em São Luís, a Vale faz carga e descarga, mas não tem capacidade para atender a empresa argelina, que teria de montar estrutura própria”, explica.
Por conta disso, segundo Adnan, a Cevital está avaliando um Plano B, que demoraria bem mais do que escoar a produção pela Estrada de Ferro Carajás, que já está pronta. A ideia seria aguardar pela Fepasa (Ferrovia Paraense), que na matemática do secretário de Estado pode ser licitada no segundo semestre deste ano e teria previsão para ser inaugurada em três anos (num cenário bastante positivo).
A Fepasa ligaria o Porto de Vila do Conde, em Barcarena, a Santana do Araguaia, no sul do Pará, passando por Marabá. “A Cevital está pensando mais na ferrovia paraense. Talvez essa seja a solução, escoar sua produção pelo porto de Vila do Conde. Por isso, assinou compromisso para transportar 8 milhões de toneladas de carga”.
Questionado sobre a previsão para aprovação, por parte do governo federal, da Zona de Processamento de Exportação (ZPE) em Marabá, o secretário Adnan diz crer que ela pode estar aprovada ainda este ano, sem dar data específica. A cada instante a gente supera obstáculos. Estamos há um ano e meio para criar um cenário para que essa siderúrgica possa acontecer e seja competitiva com as chinesas”, disse o secretário, citando a Associação Comercial de Marabá como uma das instituições que estão envolvidas nas discussões”, sustentou.
Reportagem: Ulisses Pompeu e André Santos / Grupo Correio de Comunicação