Se o depósito da cota-parte da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), os chamados royalties de mineração, funcionasse igual ao pagamento de uma prestação pela compra de uma casa ou carro, em maio deste ano a mineradora Vale entraria para os anais da mixaria por ter pagado a terceira menor parcela a Parauapebas dos últimos 52 meses: R$ 11,67 milhões.
Em maio, aliás, a empresa repassou o segundo menor valor de compensação de 2015, que só perdeu para abril, quando foi registrada a mínima de recolhimento de royalties dos últimos cinco anos: R$ 10,59 milhões. E olha que a empresa nem tem culpa, haja vista pagar pontualmente a compensação. Culpados são o mercado internacional, que regula o preço do minério, e o próprio município, que respira a dependência dessa receita e de outras oriundas da mineração. A saber, a Cfem, outrora a principal fonte de recursos de Parauapebas, atualmente é superada pela cota-parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
O montante de royalties recolhido no mês passado é 11 vezes menor que os R$ 128,02 milhões recebidos por Parauapebas em fevereiro de 2013. Naquele ano, a Capital do Minério bateu recorde de arrecadação que dificilmente será superado por qualquer outro município brasileiro. Isso porque a mineradora Vale depositou, em 2013, juntamente com o recolhimento habitual da Cfem, uma parcela de dívida judicial por royalties antigos e em cuja causa a prefeitura local foi vencedora. Assim, nos meses de fevereiro e março, Parauapebas recebeu R$ 200 milhões (R$ 100 milhões em cada mês) como parte da dívida, acrescida da arrecadação normal da Cfem. É uma quantia de dinheiro que o município talvez nunca mais volte a ver em sua conta bancária.
CARAMINGUÁS
Em 2015, a realidade é outra e, para piorar, o preço do minério de ferro no mercado internacional – que é determinante para o recolhimento de royalties – caiu a mínimas históricas, puxando Serra dos Carajás abaixo a arrecadação de Parauapebas.
Para se ter ideia da situação de UTI em que se encontram as finanças municipais, basta-se perceber que já se está em junho, meio do ano, e a arrecadação total de royalties está na casa dos R$ 71,55 milhões, mas esse valor é pouco mais da metade de tudo o que o município recebeu apenas em fevereiro de 2013. Traduzindo em miúdos, é possível estimar, com base na queda da arrecadação, que Parauapebas recolherá ao longo dos 12 meses deste ano algo em torno de R$ 155 milhões, valor que nem de longe faz cócegas nos R$ 245 milhões recolhidos apenas em fevereiro e março de dois anos atrás.
BRILHO OFUSCADO
Vizinhos diminuem diferença de arrecadação em relação a Pebas
Na vizinhança, até bem pouco tempo, Parauapebas era tido como município pujante, de arrecadação estratosférica, de aluguéis caríssimos e preços exorbitantes em tudo. Foi, sim, com muita intensidade. Mas, aos poucos, está deixando de ser e assumindo ares de município “normal”, como qualquer outro que não vive de exageros, contos da carochinha ou histórias de pescador.
Com o recolhimento de royalties em baixa, os municípios vizinhos começaram a mostrar as garras. Canaã dos Carajás e Marabá, filho e mãe de Parauapebas, respectivamente, diminuíram consideravelmente a diferença de arrecadação em relação ao principal expoente de crescimento da Mesorregião do Sudeste do Paraense nos entre 2000 e 2011.
Marabá, por exemplo, explodiu sua arrecadação de royalties 1.200% entre 2012 e 2014. Até 2012, o município era um zé ninguém em valor de Cfem, mas depois da entrada em operação do projeto Salobo, de extração de cobre em concentrado, tudo mudou nas estatísticas do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Atualmente, Marabá é o 7º mais importante do Brasil na produção de minérios, tendo gerado apenas nos cinco primeiros meses deste ano R$ 1,14 bilhão em recursos minerais. Três anos atrás, a Rainha do Tocantins não estava sequer entre os 40 primeiros.
Com esse crescimento todo no volume das vendas de cobre em Marabá, em contraponto ao declínio do preço do minério de ferro em Parauapebas, a diferença de arrecadação entre os dois mais importantes municípios do Sudeste Paraense diminuiu. Em 2012, Parauapebas estava distante de Marabá, monetariamente, 138 vezes. Em 2015, caiu para cinco vezes e meia. E se o minério de ferro chegasse a cair para menos de 40 dólares, bem como a Vale expandisse ainda mais o projeto Salobo, em curto prazo o recolhimento de Marabá superaria o de Parauapebas. Mas isso não vai acontecer.
De Marabá para Canaã dos Carajás, onde o cobre, no momento, também comanda, a situação é a mesma em relação a Parauapebas. A diferença entre eles chegou a ser vantajosa 17 vezes e meia para a Capital do Minério em 2013. Hoje, caiu para oito vezes. E vai cair muito mais.
Em 2017, quando o projeto de minério de ferro S11D, da Vale, estiver operando a plenos pulmões, Canaã dos Carajás deve ultrapassar Parauapebas em arrecadação – visto que o município vai concentrar dois empreendimentos de grande porte, o próprio S11D e o projeto Sossego, de cobre. Muita gente é impaciente e não entende que o S11D ainda está em fase de implantação e, nesta etapa, não há royalties a recolher sobre o ferro. Ainda assim, ele tarda, mas não falha a cair na conta da prefeitura. E quando cair, será só sucesso.
FUTURO
Até 2024, não é previsto que a extração física de minério de ferro em Canaã ultrapasse a de Parauapebas. A princípio, Parauapebas levará vantagem com capacidade de 150 milhões de toneladas por ano, enquanto Canaã terá capacidade de 90 milhões de toneladas. Mesmo assim, o impacto dos royalties a partir de 2017 será sentido com mais sabor pela Terra Prometida porque o município ainda é cinco vezes e meia menos populoso que Parauapebas, mas sua arrecadação será pau a pau. Na Capital do Minério, paradoxalmente, a população aumentou e a arrecadação está despencando como nunca, o que desencadeia uma crise econômica sem precedentes.
E como royalty não é eterno, Parauapebas precisa começar a tomar providências quanto à diversificação de sua matriz econômica. Minério ainda há, mas com as expansões na Serra Norte de Carajás é fato que vai acabar, mais cedo ou mais tarde. A noção equivocada de “minério para 400 anos”, apregoada em décadas passadas, nunca passou de mentira, sobretudo com a exploração cada vez mais ativa nos dias atuais. Além do mais, o que se considera “minério de Carajás” já medido, provado e provável sempre esteve nas serras Norte (Parauapebas), Sul (Canaã dos Carajás) e Leste (Curionópolis), e não apenas em Parauapebas, como muita gente pensava – e, infelizmente, ainda pensa.
Sabedora disso, a Vale prevê, caladinha, que em 2035 as principais jazidas da Capital do Minério chegarão à exaustão. O que sobrar, para além de uma imensa cratera aberta no meio da floresta, será muito pouco, com algum aproveitamento tecnológico, mas baixo índice de viabilidade econômica. Vai servir, no máximo, para alimentar em algum museu a curiosidade daqueles que não terão nascido até lá tampouco conhecido o auge de passado próspero daquele que foi por muito tempo uma zona de crescimento econômico sem jamais ter atingido progresso social e a autossustentabilidade.
Reportagem especial: André Santos – Colaborador do Portal Pebinha de Açúcar
Foto: Arquivo