No dia 15 de fevereiro de 2011, a London Metal Exchange (LME), serviço da Bolsa de Valores de Londres, capital da Inglaterra, assistiu ao apogeu do melhor produto que Parauapebas tem dado ao mundo: seu minério de ferro com teor de pureza superior a 62%. Os sistemas da LME – que acompanham em tempo real as transações entre os embarques de minério da multinacional Vale e o mercado de commodities – comemoraram a abertura da Bolsa de Valores com o preço do minério iniciando em 188,90 dólares a tonelada e chegando ao pico de 191,70 ao longo do dia, embora estabilizando-se no preço em que começara. Ao final daquele mês, o preço médio fechou em 187,18 dólares a tonelada, entrando para os anais de uma história, que, desde então, jamais voltaria a repetir-se.
Longe da rotina de um trabalhador parauapebense, cujo salário médio girava em torno de R$ 2.753,13 e era puxado pela fartura dos tempos gloriosos da mineração, o preço do minério de ferro enriquecia a Vale, detentora das concessões de lavra da Serra Norte, porção de Carajás situada nos domínios do município de Parauapebas.
O combustível que elevava o preço às nuvens era o consumo da China, que nutria sua indústria de aço com o melhor que o Brasil lhe poderia ofertar para o crescimento econômico daquele país ganhar corpo e robustez. No exato dia em que o minério chegou ao pico na Bolsa de Valores de Londres, a China (se) anunciava ao mundo ter-se tornado a segunda maior economia do globo, destronando o Japão e ameaçando o pódio da produção de riquezas produzidas pelos Estados Unidos. O país oriental caminhava firme e em passos largos, na esteira do ferro parauapebense, para tornar-se o maior Produto Interno Bruto (PIB) do planeta, mobilizando, para tal, todos os seus 1,35 bilhão de habitantes a uma gastança tresloucada em torno do que o ferro pudesse produzir.
CAI PREÇO, SOBE PRODUÇÃO
Hoje, 15 de fevereiro, cinco anos depois, a China vem desacelerando seu consumo por minério, revisando suas metas de produção para baixo e até sendo acusada de maquiar dados econômicos para se manter gigante. Ao frear sua indústria siderúrgica, o preço do minério de ferro, insumo do aço, vem afundando num oceano de incertezas maior até que o volume de águas que separa o Brasil da China.
Na manhã desta segunda-feira, a tonelada do minério de ferro estava sendo vendida a 46,26 dólares, uma verdadeira tragédia em relação ao preço daquela terça-feira, em 15 de fevereiro de cinco anos atrás. E mesmo em 46,26 dólares hoje, é necessário levantar as mãos para o céu e agradecer porque exatamente dois meses atrás, no dia 15 de dezembro de 2015, o preço afundou para a pior mínima da história: 38,54 dólares a tonelada, no consolidado do dia. O número 15, na agenda do minério de ferro, não tem meio termo: ou é glória, ou é tormenta.
Apesar do preço pífio, a Vale extrai anualmente cada vez mais minério de Parauapebas. No ano de 2011, foram 109,7 milhões de toneladas (Mt), um recorde até então que seria superado em 2014, quando foram retiradas 117,4 Mt. Em 2015, foram 122 Mt, outro recorde de produção em meio à fossa dos preços. A capacidade das minas de Serra Norte é de 150 Mt por ano.
CRESCIMENTO COBRA SEU PREÇO
De paraíso dos preços altos, Parauapebas se tornou vulcão de endividados
A fatura cobrada pelo preço alto do minério em 2011, ano em que Parauapebas “bombou” economicamente, tem chegado em forma de cartas de demissão e de placas de “aluga-se” e “vende-se”. O município prosperou – e fez muita gente ambiciosa prosperar – sem culpa no cartório, mas foi vítima de uma falta de planejamento e de noção do bom senso que transgrediu o milênio.
De 1984, ano de operação da primeira mina na Serra Norte de Carajás, a 2011, ano do preço magistral do minério de ferro, 63.610 trabalhadores passaram por Parauapebas. Do primeiro censo realizado em solo municipal, em 1991, até o ano de 2011, a população saltou de 39.560 para 160.228 habitantes, sendo que a cidade propriamente dito cresceu de 27 mil para 144 mil moradores, um aumento tão exagerado quanto raro, já que poucos municípios brasileiros viram sua população saltar em passos proporcionalmente tão largos em apenas duas décadas.
Em 2011, a sede urbana de Parauapebas parecia um canteiro de obras para chinês algum colocar defeito. Enquanto lá no Oriente a China erguia cidades do nada e ampliava sua população urbana, aqui no Ocidente Parauapebas se aproveitava da bonança das perspectivas extasiantes em torno do minério e, amparado pelas aspirações e ambições da Vale, crescia no mesmo ritmo que o seu principal cliente.
A Vale, aliás, foi, e é, a maior empregadora privada de Parauapebas e de toda a Mesorregião do Sudeste Paraense, e inegavelmente colocou, até quando pôde, a classe trabalhadora local como a mais bem remunerada do interior do Pará. Um empregado do setor da mineração recebia em 2011, em média, R$ 4.892,33, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O salário médio mais baixo registrado em carteira no setor – de um operador de caminhão de mina, por exemplo – era de R$ 3.512,23, sem contar hora-extra e gratificações. Havia engenheiro de minas que faturava R$ 15 mil, uma nota preta que dava para fazer fortuna naquele ano.
Alvoroçados pelo frisson causado pelas obras da Vale, de abertura e ampliação da capacidade das minas em Serra Norte, centenas de empresas e operários marcharam Brasil adentro rumo a Parauapebas. Muitas dessas empresas traziam consigo estruturas tecnológicas descomunais e faziam crer que aqui tudo seria eterno. O incauto trabalhador – boa parte conseguiu se empregar na fase de implantação, que sempre tem começo e fim bem definidos – delirava na mesma toada.
Em 15 de fevereiro de 2012, o Ministério do Trabalho e Emprego divulgou dados do mercado de trabalho referente a 2011: Parauapebas bateu o recorde nacional de geração de postos com carteira assinada, com saldo líquido de 4.818 empregos criados, superado seu próprio recorde desta década, de 4.694 vagas geradas em 2010. Em dois anos, 2010 e 2011, Parauapebas criou mais vagas que a quantidade de habitantes de 59 cidades paraenses na época.
CARCARÁS
De olho no bolso da classe operária, dezenas de imobiliárias desembarcaram em Parauapebas, somando-se às que aqui já haviam se estabelecido muito antes, e começou a farra dos loteamentos, em que muitos trabalhadores – incapazes de prever qualquer indício de crise – endividaram-se na compara de um, dois, cinco terrenos com prestações a perder de vista. A visão, para médio e curto prazos, era fazer “trocentas” quitinetes, alugá-las e tê-las como uma espécie de aposentadoria.
Atualmente, a crise que fez dos sonhos terríveis pesadelos e promoveu milhares de trabalhadores ao cargo de desempregados trouxe o calote comercial, e Parauapebas, antigo polo de endinheirados, tornou-se um dos municípios com mais endividados do Pará, superando Marabá, de acordo com dados do SPC Brasil.
Nesse embalo, o setor imobiliário sentiu as dores do próprio parto. O número de imóveis vagos e à disposição – com placa de venda ou aluguel – é, também, o maior da região: 10 mil, enquanto faltam 20 mil moradias para a população carente. No cenário atual, donos dos famosos “condomínios de quitinetes” já desencantaram e não colocam mais placa de “Aluga-se Quitinete” na porta: partiram para o “Vende-se este Condomínio”. Querem mais se livrar do pepino, com nome técnico de “bolha imobiliária”.
ENDIVIDADOS
De 15 de fevereiro de 2011 para cá, 135,7 mil trabalhadores conseguiram emprego em Parauapebas, mas o que é preocupante é que um número muito maior – 140,7 mil – foi mandado embora. São cinco mil desempregados que o município ganhou em cinco anos e que se somaram aos dez mil que o município já possuía – a maior parte composta por jovens da geração conhecida como “nem-nem”: nem trabalha, nem estuda.
Paralelamente à queda da oferta de empregos, caiu a remuneração. Se há cinco anos um trabalhador ganhava, em média, R$ 2.753, agora não passa de R$ 2.200. Com a extinção de postos de trabalho de alta remuneração, prosperaram empregos com ganhos mais baixos, derrubando a média salarial.
No comércio, só sobraram as lembranças do 2011 excelente, quando Parauapebas reinou absoluto com seu minério de ferro de alto teor e uma das maiores economias do Brasil e que, por tudo isso, criou um exército de trabalhadores envaidecidos que obrigavam as lojas a ficarem abertas até quase meia-noite. Atualmente, as lojas têm fechado as portas de vez, como reflexo de uma crise que, ao menos para o lado do minério de ferro, não tem previsão de acabar.
O dia 15 de fevereiro, de pico histórico de alegria e uma montanha sem fim de amarguras, é uma data para nunca mais esquecer. Seja porque Parauapebas foi muito feliz com ele, seja porque, com suas dores e decepções econômicas atuais, precisa aprender a refletir e, principalmente, libertar-se da dependência crônica de um único produto (o minério de ferro), que, pelo ritmo com que sendo explorado, vai acabar e deixar o município sem sequer navios a ver.
Reportagem especial: André Santos – Colaborador do Portal Pebinha de Açúcar